São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O exército dos 20 milhões de sem-luz

JOSÉ AUGUSTO MARQUES

O Conjunto Habitacional dos Estados, na avenida dos Estados, em Santo André, município da Grande São Paulo, recebeu no dia 18 de outubro deste ano o sistema de eletrificação nas residências. Há quatro anos as 212 famílias estavam esperando o benefício. Quanto à iluminação pública, os habitantes do conjunto terão de esperar mais um pouco. A Eletropaulo ainda não possui data para a instalação.
No Estado do Amazonas, a Secretaria de Educação decidiu prorrogar o ano letivo na rede de ensino de Manaus devido ao racionamento de energia que atinge a cidade. A capital chega a ficar sem luz seis horas por dia na zona residencial e três horas na zona comercial e industrial.
O Brasil é uma nação pródiga em demandas sociais não atendidas. Há o conflito no campo, a falta de moradias nos centros urbanos, o precário sistema de saúde, a inexistência de transportes públicos de qualidade e, entre várias outras que poderíamos descrever, a baixa oferta de energia elétrica.
O governo do Ceará acabou de lançar o programa "Luz em Casa", que prevê a instalação de energia em 83 mil unidades residenciais até setembro de 1998. A ação beneficiará, segundo os dados oficiais, 415 mil pessoas. Ou seja, há ainda pelo menos meio milhão de cearenses vivendo às escuras, como relíquias da Idade Média.
Essa situação não é, infelizmente, uma exceção. A legião de sem-luz seria de dar inveja ao exército de sem-terra. Segundo o secretário nacional de Desenvolvimento Energético, Eugênio Mancini, existem 20 milhões de pessoas em 4 milhões de propriedades rurais e 100 mil localidades no país que não têm acesso à energia elétrica. Somente no interior de São Paulo são 1,5 milhão de habitantes sem luz.
Poderíamos entender que o problema é a baixa renda da população ou simplesmente a inexistência de oferta de energia elétrica disponível. Com certeza, as duas proposições são verdadeiras e revelam que o nó górdio da questão, que envolve a atual crise de abastecimento, está além do desperdício.
Há 20 anos, o Brasil investiu o suficiente; há dez anos, investiu pouco ou quase nada. O desequilíbrio revelou-se terrível com o desenvolvimento da economia pós-Plano Real. Faltou tomada para ligar tantos aparelhos eletroeletrônicos.
Sacou-se imediatamente de um horário de verão antecipado, e o governo federal tratou de apressar a regulamentação para a entrada de capital privado no setor. Estimam-se US$ 40 bilhões nos próximos cinco anos, com um acréscimo de 22 mil megawatts no sistema.
Os adeptos da conservação e do uso racional alegam que a geração de energia elétrica invariavelmente acarreta enormes prejuízos ambientais, além de custar uma montanha de dinheiro. Para eles, a melhor solução é educar a população para aprender a viver menos dependente de equipamentos elétricos, bem como utilizar as engenhocas de maneira mais produtiva.
No Brasil, essa visão politicamente correta do uso da energia é acaciana. Mais um exemplo claro de idéias fora de lugar. Afinal, o nosso consumo de energia é jurássico. Estamos definitivamente mais próximos da República dos Camarões do que da Alemanha.
Os brasileiros consomem, em média, 1.517 kilowatts/hora por habitante ao ano. Venezuela, Argentina e Chile, para não falar das nações desenvolvidas, estão todos à frente da pátria tupiniquim.
Obviamente, podemos e devemos aliar o crescimento a uma política responsável no uso de energia elétrica e garantir o sistema de transmissão e distribuição contra perdas excessivas. Já existem programas como o lançado recentemente pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, que visa reduzir em 10% o consumo médio diário a curto prazo no Estado.
Mas não podemos simplesmente fechar os olhos ou afirmar que o brasileiro é um esbanjador. A realidade é que o até então eficiente e seguro sistema nacional necessita de expansão, para garantir o abastecimento de um insumo imprescindível ao cidadão e ao desenvolvimento do país.
O Brasil poderá obter ganhos com medidas paliativas na diminuição do consumo; porém, o problema só será resolvido com a aplicação de pelo menos US$ 7 bilhões por ano no setor, sobretudo em direção ao crescimento da oferta.
O capital privado, graças à regulamentação das figuras do autoprodutor e do produtor independente de energia pelo Congresso Nacional, está dando mostras de que tem um papel decisivo a desempenhar na área de energia elétrica.
O que temos de fazer é jogar fora as idiossincrasias, preconceitos e políticas banais, que em nenhum momento, em país algum do mundo, foram capazes de gerar um só megawatt a mais de energia.

Texto Anterior: Se a escolha tivesse sido a desvalorização
Próximo Texto: BC emprestou R$ 6,56 bi a bancos no auge da crise
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.