São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Morre Adilson Barros, matuto cósmico

PAULO BETTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Morreu Adilson Barros, um dos melhores atores brasileiros. Morreu cedo. Cinquenta anos.
Típico "caipira russo" do interior de São Paulo, conciliava a elegância de um Paulo Cesar Falcão com o Jeca Tatu do Monteiro Lobato.
Fez no teatro: "A Entrevista", "O Pagador de Promessas", "Cerimônia para um Negro Assassinado", "O Processo", "A Vida é Sonho", "A Estrambótica Aventura da Música Caipira", "Ai, Meu Paraitinga", "Divinas Palavras", "Afinal uma Mulher de Negócios", "Na Carrera do Divino" e o megassucesso "Feliz Ano Velho", que ficou quatro anos em cartaz e que o levou ao New York Shakespeare Festival.
Adilson, que morreu dia 11, de complicações decorrentes da Aids, interpretava Rubens Paiva com brilho, talento e garra. Assim foi com todos os personagens que fez. Liderava a formação do grupo que tínhamos: O Pessoal do Victor.
Interferia politicamente. Adilson era PMDB. Gostava do Ulysses, defendia as aposentadorias do Montoro -"O homem merece", ele dizia. Gostava do Quércia! Se divertia rindo debochado das pentelhices do meu (argh!) PT.
Adilson foi um dos criadores da Cooperativa Paulista de Teatro. Advogado formado, cursou a EAD-USP (Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo) e foi professor de teatro na Unicamp por trocentos anos.
Era invocado e consta que tenha barbarizado na noite de Sampa, por onde circulava com um indefectível lenço vermelho no bolso direito, código gay pré-Aids.
Era o mais Fassbinderiano de nossos atores. Uma vez, teria apontado um revólver carregado para um estudante de teatro, exigindo verdade ao expressar medo.
Morador do Bexiga e entusiasta das festas da Achiropyta, Adilson atingiu a fama no magistral filme de André Klotzel, "A Marvada Carne". Ali ele imortalizou o Jeca que tinha burilado a exaustão na Carreira do Divino, peça teatral de 79 que lhe deu diversos prêmios.
O grupo era O Pessoal do Victor e "fazíamos frente" ao Asdrubal. Eles vinham com Trate-me Leão e nós responderíamos com Trate-me Tatu, num confronto da guerra do sotaque feio caipira contra o do padrão carioca globalizado. Adilson matava a pau na Carreira. Emocionante. Lembro os elogios rasgados de Fernanda Montenegro.
Quando "Marvada Carne" ganhou todos os prêmios no festival de Gramado, muitos estranharam ele não ter ganho o de melhor ator. Claro que nada é tão simples assim, mas acho que não conseguiu se recuperar da decepção.
São esses golpes do destino, como o de uma tia minha que jogou fora na barroca a chave que achou dentro do sabão. Era a chave de um carro, prêmio de concurso, ela ficou sabendo depois. Nunca achou. Também faz trocentos anos. Desde quando tinha bala com figurinhas carimbadas e prêmios.
É desse tempo que conheço o Quibe. Assim Adilson era chamado em Sorocaba, talvez pelo narigão de Botticelli. Cursou também educação física e discutia a didática com os professores. Para que tantos mergulhos "peixinho" para aprender voleibol? Queria mais o lúdico, o jogo, prazer.
Tinha sempre muitos projetos em curso. Do time de Cascatinha e Inhana, Cornélio Pires, Tonico e Tinoco, Chiquinho Brandão, Juca de Oliveira, Humberto Magnani, Antonio Candido, Pedro Salomão, Pena Branca e Xavantinho, Ismael Ivo, Marcio Tadeu, Língua de Trapo, Marcelo Paiva, Irene Ravache.
Adilson levou, com "Na Carrera do Divino", o cururu (desafio caipira) para o Teatro Municipal. Cantava o cururu com a voz rascante do preto velho Parafuso. "Recebia", era um ator "cavalo", glauberiano. Divertido.
Bom cantor. Sabia letras hilárias de sambas antigos. Contador e criador de causo, observador sagaz, poeta. Um maluco cósmico. Do time de Walt Witman, sempre disposto a construir, era adepto do "pra cima com a viga, moçada".
Com todo o sucesso no teatro e no cinema, não teve muitas oportunidades na TV. Talvez o Quibe não se adequasse, não tivesse saco para esperar, não tivesse disposição para engolir sapos; o fato é que ele não se deu bem. Não se ressentia disso. Nunca tinha fissura de trabalhar na TV. Achava babaca essa fissura.
Queria fazer filmes. Alegrava-se em saber que eles seriam feitos. Foi dele a idéia de filmar João de Camargo. Pena que não deu tempo.
Mas o que Adilson plantou não vai morrer nunca. A defesa da nossa memória não é apenas um discurso, é um jeito de olhar para seu velho e entender.

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