São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Para Barreto, 'é pecado vencer no Brasil'

LÚCIA NAGIB
ENVIADA ESPECIAL A LONDRES

A exibição de "O Que É Isso, Companheiro?" no Festival de Cinema de Londres pode ser considerada bem sucedida. O cinema Odeon de cerca de mil lugares, na central Leicester Square, estava quase lotado, e a maioria dos espectadores permaneceu para o debate ao final, com Bruno Barreto.
Barreto também parece satisfeito com a carreira internacional de seu filme, tendo vindo do festival de Los Angeles, onde "O que É isso, Companheiro?" foi escolhido o melhor pelo público.
No entanto, a polêmica causada pelo filme no Brasil ainda irrita o diretor, que diz ter sido melhor compreendido pela crítica estrangeira. Mesmo assim, Barreto se prepara para rodar no Brasil seu próximo filme, uma adaptação de "Senhorita Simpson", de Sérgio Sant'Anna.
Nesta entrevista exclusiva, Bruno Barreto fez questão de reiterar suas críticas à esquerda brasileira e seu apego ao cinema narrativo.
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Folha - Seu filme foi muito comentado do ponto de vista temático e quase nada do ponto de vista estético...
Bruno Barreto - Isso aconteceu só no Brasil, onde o debate estético está pobre há muito tempo. Existem cineastas ressentidos, que dizem que filmes como esse se fazem aos montes nos Estados Unidos. Já nos Estados Unidos, os críticos dizem que o filme teve a inteligência de usar o gênero thriller e não ser usado por ele. Por exemplo, não usei um vilão, não coloquei música nas cenas de ação, o que quebra as regras estilísticas do thriller. Esses detalhes não foram notados pela imprensa brasileira. Mesmo agora, na indicação de "O que É isso, Companheiro?" para representar o Brasil no Oscar, a comissão de seleção se manifestou de uma maneira covarde, dizendo que tinha escolhido o filme porque a Miramax, uma distribuidora independente forte nos Estados Unidos, ia distribuí-lo. Não tiveram a coragem de dizer que era melhor que "A Ostra e o Vento" e "A Guerra de Canudos". O brasileiro sofre de otimismo patológico, celebração precoce e falta de auto-estima. Isso nos faz uma nação de perdedores, porque é pecado vencer no Brasil.
Folha - Um recurso polêmico que você usou foi enfatizar o drama de consciência de um policial torturador. Eis um tipo de abordagem típico do cinema americano...
Barreto - Discordo de você. Este é um dos exemplos de inversão de uma regra do thriller. Se esse filme fosse produzido pela Paramount ou a Warner, teria sido dirigido pelo Oliver Stone ou o Costa Gavras. E certamente a ditadura teria sido retratada como os "bad guys", eles não teriam dado uma nuance existencial ao torturador. A esquerda brasileira teria gostado muito mais desse filme se ele tivesse sido feito por um estúdio americano. Era um ponto meu e de Leopoldo Serran, o co-roteirista, retratar esse torturador de maneira mais complexa, porque ele tinha coisas a dizer que a esquerda não gosta de ouvir.
Folha - Aquelas paisagens do Rio entre as cenas lembram a canção de Gil que diz "o Rio de Janeiro continua lindo", enquanto as desgraças acontecem. Você não pensou em colocar música brasileira no filme?
Barreto - Minha primeira opção foi um compositor brasileiro, alguém muito respeitado, cujo nome não vou citar. Mas ele ficou patrulhando o filme ideologicamente. Isso me decepcionou. A cartilha ideológica limita as pessoas esteticamente. Repudio com toda veemência qualquer nível de engajamento político de artistas. Assim, o Stewart Copeland, um amigo meu, queria participar, e acho que acabei fazendo a melhor escolha. Porque eu queria uma visão de fora. Meu filme não é regional, mas completamente universal, olha o Brasil de fora para dentro. Só fui capaz de filmar o Rio daquela maneira porque não morava lá há oito anos. Para os estrangeiros, o Brasil sempre foi a terra da garota de Ipanema e do carnaval. Isso me deu a idéia de abrir o filme com "Garota de Ipanema", coisa inesperada num thriller político. Eu queria mostrar essa ironia: naquele lugar lindo, onde há uma estátua de Cristo com os braços abertos, aqueles absurdos estavam acontecendo.
Folha - O que foi mais importante no seu aprendizado americano?
Barreto - Aprendi a parar de olhar para o meu umbigo. Aprendi o prazer de contar histórias, pois sempre me considerei um contador de histórias.
É claro que dentro disso você pode inovar. Mas longe desse narcisismo patético que o cinema de autor europeu dos anos 60 instaurou e pelo qual o Cinema Novo se deixou influenciar. Não é à toa que o Cinema Novo tinha o povo na tela, mas não na platéia.

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