São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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'Bent' é filme recalcado

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O texto para a promoção de "Bent", de Sean Mathias, informa que o filme "relata o drama dos homossexuais na época áurea do nazismo".
Há na frase, além da tentativa de resumo, dois deslizes: a palavra áurea (que significa "nobre e de grande esplendor", qualificações bem distantes da vida alemã no período hitlerista) e a idéia de que se trata de uma tragédia pessoal, de classe ou de grupo.
"Bent" é uma adaptação para o cinema de uma conhecida peça de mesmo nome de Martin Sherman -que participa aqui da elaboração do roteiro- sobre dois homossexuais que convivem em um campo de extermínio na Alemanha.
Um deles se nega a usar o "triângulo rosa" de identificação em seu uniforme e usa sua segunda identidade condenada. A de judeu. O companheiro da difícil rotina (carregar pedras de um lado para o outro, um trabalho sem fim e sem propósito), ao contrário, exige o símbolo e vive a consequência desse ato.
A história contada em "Bent" é então a de uma ascese: em uma situação descontrolada, em que já não se sabe mais o que é humanidade nem quais seus valores, um homem que sempre negou a si mesmo é obrigado a aceitar suas escolhas e redescobrir o amor pelo outro, terminado por oferecer esperanças ao mundo.
Sherman, em seu texto, procurava universalizar um caso particular, e seu talento estava em realizar isso sem que se perdesse de vista o que havia de tão exclusivo na trajetória de seus personagens. Sua peça oscilava, enfim, entre o todo e a parte.
No cinema, essa oscilação se perde. Há nesse "Bent" filmado um descompasso. Tudo lembra uma grande caricatura, como se seus personagens estivessem pré-programados, autômatos sem alma.
Nada se sabe de suas motivações, de Berlim (que no filme parece a Sodoma bíblica), do nazismo e dos campos. O que se conhece são imagens descuidadas, o exagero levado ao ridículo -exemplificado na participação de Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, como um travesti.
"Bent" é um filme que já nasce errado, comprometido demais com a obrigação de defender uma causa (no caso, dar voz ao discurso homossexual). Não dialoga, não respira, não procura sair de um pequeno território.
Isso ao mesmo tempo em que não vive plenamente a própria escolha. "Bent", perto de qualquer trabalho do diretor inglês Derek Jarman, soa tímido, quase recalcado. Enfim, um filme parado no meio.

Filme: Bent
Produção: Inglaterra, 1997
Direção: Sean Mathias
Com: Mick Jagger, Clive Owen, Lothaire Bluteau
Quando: a partir de hoje no Cinearte

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