São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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CD abriga luta entre simplicidade e redundância

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

As virtudes de Paulinho da Viola estão enunciadas desde sempre e até poderiam se encerrar na simplicidade, valor que ele próprio define como crucial. Nesse sentido, "Bebadachama" pode, simplesmente, ser classificado como uma obra-prima a mais.
Sim, pode. Acontece que, em sua simplicidade-, Paulinho nunca cedeu ao verborrágico e, até por isso, manteve padrão elevado de exigência, de constância.
Lançar "Bebadachama" logo em seguida a "Bebadosamba" -repetindo-lhe parte do repertório- é redundância; e, num disco ao vivo, manter o grau de exigência é virtualmente impossível, se o domínio técnico não for virtude primeira do artista.
No caso de Paulinho, não é, e seus shows são sempre demonstração disso. O cuidado de carpintaria não é milimétrico, os pequenos erros não são -e isso é inerente à índole do artista- em momento algum camuflados.
"Bebadachama" é, assim, um disco com imperfeições técnicas que vão além do que permitiria o desenvolvimento tecnológico.
A mixagem é algo suja, há uma promessa de eco revoando vocais CD afora, a própria voz do cantor enfrenta oscilações. Cria-se o impasse: poucos artistas justificariam, como Paulinho, a integração de um "ao vivo" a suas discografias; mas "Bebadachama" não é o "ao vivo" que Paulinho merecia.
O responsável? Paulinho da Viola. É ele quem, de tão simples, jamais busca o ilusionismo, a perfeição de prestidigitador. As falhas estão para ser evidenciadas.
Bem, tudo isso se refere a falar sobre simplicidade, como se fosse essa a virtude única do autor. Fosse assim, "Bebadachama" seria disco mais simplório que simples, deficiente, portanto.
Mas há agravantes diversos. Além de simples, Paulinho é sambista -ou melhor, compositor, para que "sambista" não pareça reducionista- genial.
Tanto que mostra as virtudes que o comprovam apenas em relances -"Dança da Solidão", "Timoneiro", "Foi um Rio Que Passou em Minha Vida". Tanto que se furta da grandeza apolínea de "14 Anos", "Sinal Fechado", "Para Ver as Meninas", "Pecado Capital", "Vela no Breu".
A concessão só vem ser aberta no bis, quando ele afrouxa e canta "Coisas do Mundo, Minha Nega", fazendo valer o que diz dos sambas de seus mestres: poderá haver outro poema tão sábio e lancinante na história dessa música popular?
Mais. Além de simples, Paulinho é reverente, apaixonado. As versões às vezes rápidas demais de sambas e sambas e sambas que noventistas jamais se interessariam em ouvir, por mais que deixem um laivo de melancolia por não virem embaladas em estúdio, mantêm viva a epopéia do samba.
Ao que pense em Paulinho como sambista, título circunscrito -ele ganha prêmios de samba, não de MPB-, Paulinho retruca com "As Rosas Não Falam", de Cartola, "Mulato Calado", de Wilson Baptista, "Óculos Escuros", de Walzinho e Orestes Barbosa, "Cochichando", de Pixinguinha.
Inútil tentar explicar por palavras. A estirpe de tais composições se explica por si, e só por si. Sem pensar em explicar o mundo, Paulinho só é simples, muito simples. Imagine se fosse em estúdio.
(PAS)

Disco: Bebadachama
Artista: Paulinho da Viola
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 36, em média (CD duplo)

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