São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Projeto editorial da Folha e ecologia

MARIO VITOR SANTOS

O novo projeto editorial da Folha já em vigor elegeu como prioridades de sua cobertura dois temas: educação e saúde. A respeito deles, traçou o seguinte diagnóstico: "A imprensa ainda não conseguiu articular enfoques que coloquem esses temas na ordem do dia, acoplando-os à agenda imediata de eventos".
Sem entrar aqui no exame da maneira como a cobertura dessas prioridades vem sendo -ou não- feita, chamo a atenção para o que parece uma importante limitação do projeto: a ausência da ecologia entre esses temas prioritários para o país e que vêm sendo negligenciados pela cobertura.
O planeta chegou a uma situação limite de esgotamento de seus recursos, fenômenos ambientais dão seguidas mostras da situação-limite a que se chegou. No Brasil, o quadro não é menos dramático, apesar da imensidão do território e dos recursos naturais.
Parcelas ponderáveis da sociedade já se conscientizaram desses problemas. Muitos governos também. Articulações vivas existem em torno do problema. Não se pode dizer o mesmo da mídia.
Quem não trata desse assunto corre sério risco de perder o passo em direção à verdadeira modernidade. Muitos articulistas esmeram-se em ressaltar as virtudes das iniciativas individuais de alívio à pobreza, remendos para o desemprego, treinamentos e reciclagens profissionais de duvidosa eficácia.
Ecochatos
Mas muitas vezes deixam de notar uma das áreas em que a sociedade mais se organiza à margem do Estado em iniciativas variadas, tomando para si a responsabilidade pela resolução de problemas como o lixo, a poluição atmosférica ou a preservação de áreas ameaçadas. Existe em torno das questões ambientais uma riqueza e energia vitais que lamentavelmente escapam à pauta fossilizada e burocrática da grande maioria dos veículos de comunicação.
Ainda existe nas redações um preconceito em relação aos cidadãos e entidades que se envolvem com o meio ambiente. A cisma talvez seja menor quando os militantes ostentam nomes em inglês e romanticamente surgem no "Jornal Nacional" a desafiar um superpetroleiro. Fora dessas situações, esses abnegados são chamados de ecochatos nas redações. Seu discurso ecologicamente correto é estigmatizado como oposto ao desenvolvimento.
Até mesmo em relação às iniciativas governamentais na área ambiental, a mídia, em geral tão oficialesca, mostra-se atrasada e conservadora em suas prioridades, talvez mais atrasada do que a própria consciência social mais geral que ala própria ajudou a criar.
Em muitos casos, a cooperação entre áreas do governo e organizações independentes da sociedade atingiu estágios muito mais desenvolvidos do que a mídia considera interessante noticiar.
Parece haver um bloqueio burocrático, em que as prioridades não são ditadas pelos fatos, mas por alguma regra ou rotina que se fossilizou e não permite a entrada de novos assuntos e atores sociais.
Não se pode esperar que na cobertura sobre ecologia a mídia se comporte da maneira rotineira que revela em coberturas como a do "El Niño" ou a do rodízio de automóveis em São Paulo. Nessas oportunidades, a cobertura parece estar mais a reboque das intempéries e agressões como a devastação da Mata Atlântica do que à busca de soluções viáveis que alterem a agenda dos governos e das organizações supranacionais.
Para estar em dia com esse que talvez seja o aspecto essencial da modernidade, a Folha deveria incluir entre suas prioridades editoriais a cobertura dos temas ligados à ecologia. Mais ainda: deveria aprofundar a discussão a respeito de qual cobertura sobre ecologia é necessária na situação atual do país e do planeta.

Texto Anterior: Primeira lista das 'grandes histórias' de 97
Próximo Texto: SP prepara venda de sua maior empresa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.