São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Geração N

GILBERTO DIMENSTEIN

Uma propaganda de aparelho de vídeo produzida em Nova York descobriu um jeito para acalmar os adultos sobre os labirintos das novas tecnologias.
O novo modelo, dizia a propaganda, é tão simples, tão fácil de usar, que você nem vai precisar pedir socorro a seu filho pequeno.
O truque de marketing deu certo. As vendas subiram, por captarem uma cena rotineira nos lares; adultos embaraçados, humilhados e perdidos com os manuais.
Quem já tentou gravar um show no aparelho de vídeo, usar os últimos modelos de controle remoto, instalar um programa no computador, pesquisar na Internet e, óbvio, brincar com jogos eletrônicos, dificilmente escapou da desconfortável situação de pedir ajuda às crianças.
Com frequência, a explicação da criança vem num tom que varia da irritação, tédio e compaixão com a ignorância adulta.
Filhos pequenos sentindo-se intelectualmente superiores aos pais estão na base de uma série de investigações recém-lançadas, anunciando o surgimento de uma nova geração.
É a "geração Net", já abreviada para a "geração N".
*
Psicólogos e educadores apostam na idéia de que, assim como a televisão ajudou a moldar uma geração, as descobertas digitais, do computador aos jogos, que permitem a interatividade, produzem novo comportamento.
Os estudiosos trilham a seguinte pista: a geração N se considera auto-suficiente por ensinar pais e professores, numa inversão de papéis -uma inversão que toca na autoridade.
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O fundamental, porém, seria o jeito como a informação é absorvida. Com a televisão, o indivíduo é passivo. Na Internet, uma realidade para mais da metade das crianças e jovens americanos, ativo.
Recebe informações, mas orienta até onde quer ir, pula de um lado para outro, saindo de Nova York para Paris ou Madri, em segundos; decide com quem trocar impressões, como publicar e divulgar o conhecimento.
Some-se a isso que, neste final do século, as crianças e adolescentes ganharam direitos e ficaram mais equiparadas aos adultos.
O que vai sair disso? Que tipo de relação vai ser alterada na família, escola, trabalho ou política?
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Há, obviamente, os amedrontados, vislumbrando uma geração viciada nas conversas virtuais, desprezando o contato humano. Seriam presas da pornografia distribuída on line ou dos jogos eletrônicos violentos. Monstros reais a partir de realidades virtuais.
São medos que se repetem. Quando surgiu o telefone, artigos da imprensa americana advertiam para os perigos contra as mulheres. As engenhocas deixariam as donzelas vítimas da sedução clandestina, protegida pela linha telefônica.
Histórias em quadrinhos publicadas em jornais também amedrontaram os pais. Mais tarde, apontavam a televisão como destruidora do intelecto.
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Acaba de sair um livro que é leitura obrigatória para quem se interessa sobre como a tecnologia da informação vai criando novas mentalidades.
Chama-se "Growing Digital" (Crescendo na Era Digital), do educador e estudioso de tecnologia em informação Don Tapscott. Apoiado por uma equipe de pesquisadores em cinco continentes, ele colheu depoimentos por 12 meses de 300 integrantes da geração N, entre 4 e 20 anos.
Detectou sinais de uma geração crítica, articulada, cosmopolita; gente que não aceita passivamente o que é transmitido e sabe como manusear a informação a partir de diferentes ângulos, já que dispõe de uma variedade enorme de fontes de consulta.
Daí se desenvolver um comportamento mais democrático diante do saber, misturando o papel de professor e aluno -aliás, apenas a confirmação de toda a pregação pedagógica de Paulo Freire, desafiando o papel da autoridade.
O professor pode ser aluno do seu aluno; e o aluno, professor de seu professor. A escola vira um centro de referência.
*
Ainda é cedo para se descobrir como e em qual profundidade as novas tecnologias esculpem o comportamento.
Mas já existem sinais até pouco tempo impensáveis. Primeiro, a redescoberta da escrita, supostamente ameaçada pelo reino das imagens. Há dois anos estou envolvido com experiência sobre Internet e sala de aula. Dá para ver como os alunos se preocupam com o texto que escrevem a serem publicados na homepage, atentos com a audiência externa -e como aprendem rapidamente a alargar as fontes de consulta.
Mais inesperado ainda é que a televisão foi desbancada. Entre os jovens, cai em proporções gigantescas a audiência. Eles dizem que é chatíssimo ver sem participar -o que, vamos convir, é um sinal de maturidade ainda não assumido por muitos pais.
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PS - Curioso que os grandes defensores da Internet, como o autor do livro "Crescendo Na Era Digital", só conseguem passar sua mensagem pelas mais antigas das tecnologias à disposição -o livro.
O livro é uma grande invenção. Não descarrega bateria, dá para ler em qualquer posição, cansa muito menos a vista do que a tela. Ninguém (tirando os amigos) leva. Por enquanto, não se criou nada tão eficiente.
Mas a Internet é indispensável e, muitas vezes, complementa o livro. Se você quiser, agora, ler trechos do livro de Don Tapscott, ter mais detalhes das entrevistas que embasaram a pesquisa, conversar com os participantes dos projetos, sem sair de casa e sem gastar dinheiro, basta clicar o seguinte endereço: www. growingupdigital.com/

E-mail: gdimen@aol.com

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