São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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O Líbano e a paz no Oriente Médio

AMIN GEMAYEL

O Líbano pode ser uma "janela de oportunidade" para resgatar o emperrado processo de paz árabe-israelense.
No momento, esse cenário oferece a maior esperança de aliviar as tensões, aumentar a segurança regional e -talvez o mais importante- injetar tanto no diálogo quanto no processo de paz árabe-israelense a esperança e o vigor de que tão urgentemente precisam.
O programa que proponho atende aos interesses de todas as potências envolvidas. Ele irá, no mínimo, reafirmar a primazia da diplomacia como instrumento para a solução de disputas, num momento em que a opção militar se apresenta cada vez mais atraente, diante das frustrações crescentes.
É manifestamente óbvio que as negociações palestino-israelenses não dão sinais de progresso verdadeiro. Por mais admiráveis, fracassaram os esforços da secretária norte-americana de Estado, Madeleine Albright, de revigorar o processo de paz, e há poucas chances de romper o impasse.
Na verdade, do ponto de vista dos árabes, a política dos EUA na região vem sendo marcada pela confusão. Ademais, o atual governo israelense, sob a égide do premiê Binyamin Netanyahu, não aderiu às medidas estipuladas pela conferência de Madri e pelos acordos de Wadi Araba e Oslo.
Devido a uma sequência de acontecimentos infelizes, as relações entre os representantes e os públicos palestino e israelense estão, decididamente, hostis.
Com a ruptura das conversações, também foram interrompidas as negociações israelenses com o Líbano e a Síria. As medidas muito positivas de normalização que alguns países árabes empreenderam com Israel foram solapadas ou abandonadas. Neste momento, a proposta cúpula econômica dos Estados árabes e Israel em Qatar é letra morta. Em suma, está claro que, nas condições atuais, é impossível esperar avanços diplomáticos importantes.
Se as aspirações árabes e israelenses estão em rota de colisão na Palestina, não faz sentido buscar um local alternativo? Creio que a fraqueza do diálogo palestino-israelense pede urgentes conversações entre Líbano, Síria e Israel.
A realização de uma nova rodada de negociações e a conquista de um regime de segurança sustentável para o sul do Líbano não apenas estabilizariam as relações entre as potências, mas também catalisariam o tão urgentemente necessário contato positivo entre os EUA e a Síria, entre a Síria e Israel e entre Israel e a Autoridade Palestina.
Embora o êxito na resolução de um conflito não garanta a solução de outros, creio que o único cenário realista deve partir de uma resolução da guerra de fato que se trava no sul do Líbano.
A escalada das hostilidades no sul, mais uma vez, transformou o Líbano num barril de pólvora pronto para explodir. As tentativas convencionais de resolver o conflito se mostraram vãs.
O governo libanês continua a exigir a implementação das resoluções 425 e 426 do Conselho de Segurança da ONU, que requerem a retirada israelense do sul do Líbano em troca de dispositivos de segurança que tranquilizem Israel e os habitantes de suas regiões de fronteira. Israel se nega constantemente a implementá-las, citando uma gama extraordinária de pretextos.
Em 1987, quando eu era presidente do Líbano, estabelecemos, após extensas consultas com Washington, contatos com representantes israelenses com vistas à retirada. Infelizmente, Israel não reagiu positivamente. Talvez as condições para o acordo não estivessem maduras -mas isso não significa que a situação permaneça a mesma.
Recentemente, Israel modificou oficialmente sua posição: retira-se do sul do Líbano, desde que sua fronteira e regiões adjacentes sejam protegidas contra ataques do Hizbollah. Essa aparente flexibilidade tem encontrado correspondência, pelo menos retórica, por parte da resistência libanesa.
O papel da Síria é crucial. Damasco não tem nada a temer. Um tratado que estabilize a situação no Líbano é perfeitamente compatível com os interesses sírios. Seria uma oportunidade singular para a Síria de ganhar prestígio diplomático, fortalecer sua influência e retomar contatos positivos com os EUA.
É chegada a hora de pôr fim ao sofrimento da população do sul do Líbano. A região não pode mais ser usada como peão impotente na revoltante partida de xadrez jogada por seus vizinhos árabes e israelenses mais fortes.
É preciso também mencionar o papel norte-americano. É do interesse dos EUA alcançar um acordo abrangente no Líbano antes que a situação se deteriore ainda mais. Eles são a única superpotência mundial remanescente que tem interesses globais a defender.
Washington também poderia aproveitar a retomada do diálogo com Damasco, centrado no Líbano, como gancho para discutir outras questões pendentes, especialmente as relativas à possível retirada israelense de Golã.
No Líbano, já existe um mecanismo viável para a implementação de tal plano. Após o ataque israelense a posições do Hizbollah em 1996, foi concluído entre Líbano, Síria, França, EUA e Israel o chamado "acordo de abril", que estabeleceu um grupo com cinco partes para monitorar o cessar-fogo.
Embora seja uma medida temporária, ameaçada de ruir a qualquer momento, suas metas e métodos poderiam ser ampliados visando um novo e abrangente arranjo de segurança.
Ao descrever a abordagem da "janela de oportunidade", repito duas palavras: "segurança" e "estabilidade". A primeira diz respeito à restauração da integridade territorial libanesa dentro de fronteiras seguras, monitoradas por uma comissão internacional. A segunda significa, nesse contexto, a reordenação da política interna libanesa, de modo a promover o consenso nacional.
Ao olharmos o cenário político do Oriente Médio, é impossível superestimar a importância de aplacar a opinião árabe com uma conquista diplomática definitiva e sustentada. Há oportunidades de avançar disponíveis no Líbano, se os participantes aproveitarem o momento e trabalharem em conjunto no contexto dos acordos existentes.
Para mim, como libanês, é doloroso pensar que uma mera fração da energia que já foi gasta por representantes dos EUA em outros aspectos do processo de paz bastaria para obter esse avanço.
O Líbano precisa desesperadamente de um período de recuperação. A população libanesa não está exigindo o impossível. Podemos visualizar um Líbano forte, que representará importante fonte de apoio para seus irmãos israelenses, o Oriente Médio e o mundo.
No passado, Israel impediu o progresso do Líbano e ameaçou sua segurança. Agora, pede uma solução, que vimos proclamando em vão há tempo.
Talvez seja o momento; não devemos deixar essa grande oportunidade passar. Nas palavras de Shakespeare, "existe uma maré nos assuntos dos homens que, tomada no seu auge, leva à fortuna. Quando omitida, suas viagens se fazem na água rasa e na tristeza".

Tradução de Clara Allain

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