São Paulo, domingo, 23 de novembro de 1997
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Na contramão do bom senso

JOSÉ FERNANDO BOUCINHAS

À medida que as mudanças tributárias introduzidas pelo "pacote 51" são analisadas, fica mais clara sua falta de criatividade e arbitrariedade.
Comecemos pelas mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Física. Basicamente, elas resumem-se a impor, durante dois anos, um adicional de 10% sobre o imposto devido e uma limitação de 20% sobre as deduções possíveis -da qual se excluíram, posteriormente, os gastos com pensões alimentícias, despesas médicas e educação.
Essas medidas vão na contramão da racionalidade tributária que a sociedade tanto reclama e, principalmente, da justiça fiscal. Certos estão os políticos que apontam o ônus adicional que elas representam para a classe média.
Para realmente fazer com que quem pode mais pague mais, há melhores alternativas. Basta citar duas: a) aumentar o número de faixas de rendimento (hoje, são apenas duas), aplicando sobre elas alíquotas progressivas que poderiam chegar a 50% ou mais, no limite superior, reduzindo a abusiva taxação que se aplica às faixas de renda mais baixas; b) considerar como base de cálculo do IRPF todos os rendimentos auferidos, acabando com os tributados exclusivamente na fonte, passando a taxá-los pela tabela progressiva.
Com isso se implantaria um saudável princípio de justiça fiscal. Hoje, de fato, quem paga imposto sobre a renda é o assalariado; e o pacote punirá ainda mais a sofrida classe média, espécie em extinção no país. Que se aumente a arrecadação taxando melhor os rendimentos do trabalho e incluindo em bases idênticas os rendimentos do capital.
No âmbito da pessoa jurídica, sem entrar em detalhes, basta olhar o lado dos incentivos fiscais para verificar que o governo agiu com a mão do gato. Apesar de anunciar corte de 50% nos incentivos, na prática, ao limitar o abatimento total deles a 4% do imposto devido, a redução foi superior a 80%.
Senão, vejamos: antes, a soma dos limites dos incentivos era da ordem de 22%, incluídas as deduções com o Programa de Alimentação do Trabalhador, vale-transporte, patrocínios culturais, investimentos em desenvolvimento tecnológico e fundos dos direitos da criança e do adolescente.
Agora, pode-se deduzir 4% do imposto a pagar a título de incentivos. Como o vale-transporte é obrigatório por lei e o vale-refeição consta de quase todos os dissídios coletivos, na prática, os demais incentivos ficam extintos.
Bem diz o deputado Delfim Netto quando afirma que ao governo não interessa a reforma tributária. Implantado um novo sistema, ele ficaria impedido de decretar derramas fiscais ao seu alvitre, impondo como e quando quer encargos adicionais à sociedade.
Enquanto devíamos caminhar para reduzir a carga tributária nominal, aumentando a arrecadação, vemos o governo ir no sentido oposto, elevando a carga tributária nominal e estimulando a sonegação. A cada pacote, empurra mais contribuintes para a clandestinidade fiscal, em face da sua incapacidade de arcar com tantos encargos.

E-mail: dfedbouc@boucinhas.com.br

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