São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 1997
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"Cozida a vapor"

PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA

"Quero te provar, cozida a vapor..." A música, conhecidíssima, é do pessoal do Skank, grupo mineiro. E faz pensar num problema interessante, o da diferença entre cozida e cosida.
Dia desses, alguém me perguntou se é possível dizer que a carne foi cozinhada. A frase teria sido pronunciada em um desses programas de TV em que se fala de culinária. Armou-se o circo. Alguém afirmou que só se pode dizer "cozinhada"; se a carne fosse cozida, seria costurada. Não é bem assim. É melhor ir com calma.
Aí está um dos mais terríveis problemas para quem escreve em português: as palavras de grafia parecida, de pronúncia parecida ou igual, mas de significado completamente diferente.
Cozer, com z, é sinônimo de cozinhar. Portanto não há nenhum problema em "a carne foi cozida", nem em "a carne foi cozinhada". E, pensando bem, também não há nenhum problema em "a carne foi cosida". Sim, porque coser é sinônimo de costurar. Minha mãe, por exemplo, italiana, autora de antológicos molhos, sempre cose a carne, que recheia com salsinha, queijo e alho, ao fazer o que em italiano se chama de "braciola" (lê-se bratchiola). Depois de coser a carne, frita-a em azeite e coze-a durante horas, em abundante polpa de tomate.
Perdeu-se em alguma passagem? Vamos lá: cozer é sinônimo de cozinhar; coser é de costurar.
Outra dupla que causa confusão é "eminente/iminente". Eminente é elevado, alto, ilustre: "Trata-se de um homem eminente". Iminente é o que está para acontecer: "Todos consideravam iminente a desvalorização da moeda".
Diz o folclore político brasileiro que, certa vez, o reitor de uma universidade federal encaminhou pedido de suplementação de verba ao ministro da Educação da época. O reitor pedia ao "iminente ministro" que liberasse o dinheiro. O ministro teria respondido, ironicamente: "Já tomei posse. A verba será negada".
Não são só os reitores que desconhecem essas diferenças. Muitas pessoas que trabalham nos meios de comunicação também escorregam. Com alguma frequência, jornais afirmam que juízes de direito saem por aí disparando tiros a torto e a direito. Sim, porque em títulos como "Juiz caça liminar" entende-se que o juiz está atrás da liminar, usando algum tipo de arma para capturá-la.
Não se deve confundir caçar com cassar. Cassar é tornar nulo, sem efeito. Por tanto o juiz cassa a liminar.
O prêmio "duro na queda" vai para cheque: "Crise nas bolsas coloca em cheque economia brasileira". Será que a economia do país é tão chinfrim que cabe em um mísero cheque?
Além de significar soberano (entre os árabes), xeque é, no xadrez, a jogada em que o rei fica acuado. É o famoso xeque-mate. E é o que parece acontecer com a economia pátria, que está em xeque. É isso.
*
A história dos sétuplos dá o que falar até no campo linguístico. E mostra bem o caos que é a questão ortográfica nos países de língua portuguesa. Aurélio e Luft só registram sétuplo. Celso Cunha só registra séptuplo. Silveira Bueno diz que sétuplo é uma coisa, e séptuplo, outra. Aulete e o Vocabulário Ortográfico dão as duas formas como equivalentes. A tendência, no entanto, é pela supressão do "p", na família toda: setuagenário, setuagésimo, setingentésimo.

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