São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 1997
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O pessimismo, a segurança e a eficiência

LUÍS NASSIF

Em plena euforia do Plano Cruzado, o economista americano Martin Landau foi convidado para um seminário no Brasil. Sua previsão foi curta e grossa: "Não vai dar certo". Um país tem enorme diversidade e interesses conflitantes, dizia. Todo programa econômico tem que partir de uma visão pessimista. É mais importante a segurança do que a eficiência. Como pode um programa econômico jogar todo seu destino numa única medida: o congelamento de preços? E quando os preços forem descongelados?
A nave Columbus explodiu porque não havia redundância -isto é, salvaguardas que prevenissem a ocorrência de determinados erros, ainda que improváveis. Os cientistas preferiram acreditar na eficiência do seu projeto.
A história foi lembrada ontem em Belo Horizonte pelo ex-ministro da Fazenda Paulo Haddad -em mesa que participamos conjuntamente, em um seminário sobre análise de cenários.
O Plano Real foi feito em cima de uma única âncora -o câmbio-, partindo de uma visão otimista da realidade. "Se" as reformas acontecerem, "se" a economia se reestruturar, "se" os investimentos internacionais aumentarem a capacidade produtiva, "se" o capital entrar indefinidamente, todos vamos para o céu.
Quando a visão otimista falha, o resultado é o sacrifício de políticas sociais, dos salários dos servidores, dos investimentos em pesquisa e tecnologia, dos incentivos ao desenvolvimento regional e ao investimento privado.
O que significaria ter sido menos otimista no passado? -indaga Haddad. Significaria prever dispositivos no acordo de Ouro Preto, que permitissem levantar tarifas de emergência no comércio com o Mercosul, para fazer frente à eventualidade de crises externas. Significaria estipular quarentena para o ingresso do capital especulativo. Significaria ter acertado o câmbio lá atrás, ainda que à custa de uma pequena elevação da inflação, justamente substituindo a eficiência pela segurança. Significaria não valorizar o real, ainda que à custa de uma inflação um pouco maior no início do plano.
Segunda chance
Agora, volta-se a alimentar uma visão otimista da realidade, visando prosseguir na estratégia gradualista. "Se" a recessão reverter os déficits comerciais, "se" os novos instrumentos de estímulo às exportações surtirem efeito rapidamente, "se" o capital internacional se acalmar e voltar a olhar o Brasil com bons olhos, todos teremos conquistado o reino dos céus.
E se outros "ses" se impuserem? "Se" os países asiáticos jogarem pesado nas exportações de aço, automóveis e eletroeletrônicos? "Se" a reestruturação para as exportações demorarem para engatar? "Se" o diferencial entre taxas internas e internacionais de juros promoverem um estímulo adicional às importações? "Se" aumentar o déficit comercial americano trazendo práticas protecionistas ou queda da atividade econômica? "Se" se chegar ao período eleitoral com essas fragilidades expostas?
Há que começar a pensar em estratégias "pessimistas" para evitar o pior mais à frente.
Na área externa, Haddad sugere formas eficientes de salvaguardas comerciais, ainda que à custa de revisões de acordos comerciais. Ameaças externas têm que ser enfrentadas com soberania política, com clareza sobre os interesses nacionais, diz ele. No plano social, a criação de dispositivos de política social de emergência, para que o ajuste não recaia sobre os mais fracos.
Otimismo é o seguinte: continuar acreditando que o Brasil vai sair dessa, mobilizar pequenos e médios setores para o esforço exportador, acelerar a implantação de instrumentos de estímulo às exportações. Mas se preparar para a eventualidade de tudo isso não produzir resultados a tempo.
Tradings
Recebo dois telefonemas a respeito da coluna sobre o novo papel das tradings.
Do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, informando que, ao contrário do que disse a coluna, a lei que criou as tradings não foi revogada. Apenas revogou-se um dispositivo e incluiu-se outro. Quem leu viu a revogação sem ver a republicação.
Do secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, reconhecendo que a entrada das redes de varejo e atacado no comércio exterior poderá ser um ovo de Colombo.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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