São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estão falsificando a História do Brasil

ALOYSIO BIONDI

A opinião pública brasileira está sendo engabelada com uma mentira histórica, apresentada como explicação para a crise da economia. Nas últimas semanas, é cada vez mais repetida a afirmação de que o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso foi uma pobre vítima da fatalidade. Segundo essa versão, a equipe FHC/BNDES fez uma "aposta", ao escancarar o mercado às importações e às multinacionais: no seu raciocínio, o fato de o Brasil acumular grandes "rombos" na balança comercial não traria ameaças de o país quebrar porque, a médio prazo, o "buraco" seria coberto com aplicações de especuladores estrangeiros, empréstimos e até investimentos das multinacionais.
Os piedosos disseminadores dessa explicação repetem insistentemente, em resumo, que o governo FHC fez uma "aposta" na possibilidade de atrair capitais estrangeiros para cobrir o "rombo" e somente perdeu essa aposta porque foi surpreendido com o terremoto no mercado financeiro asiático e seus efeitos devastadores sobre o resto do mundo.
A versão, empurrada goela abaixo da sociedade, é despudorada. Depois de passar dois ou três anos falseando a realidade, encobrindo os problemas da economia, formadores de opinião tentam, agora, falsificar a própria História do Brasil, neste reinado de FHC. Onde está a mentira? Ora, basta fazer uma pesquisa nos jornais dos últimos três anos para encontrar milhares de declarações e entrevistas da equipe FHC prevendo que, em breve, no mês ou meses seguintes, as importações cairiam, as exportações cresceriam e a balança comercial voltaria a ter saldo positivo, isto é, o "rombo" desapareceria. Essa é a verdade que de-formadores de opinião, a serviço do governo FHC, estão tentando apagar da História, inventando a versão da "aposta".
Hora do debate
Poucos dias depois do "estouro" do México, em janeiro de 1995, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, alardeava autoconfiante que já em fevereiro o Brasil voltaria a ter saldo positivo na balança comercial... O ministro Pedro Malan e o subministro José Roberto Mendonça de Barros espalharam igual otimismo (e finas ironias contra os "críticos") meses a fio. Ainda no começo deste ano, o subministro anunciava um saldo positivo de US$ 2 bilhões no comércio exterior... O ministro do Planejamento, Antonio Kandir, bravateou mil vezes com um forte aumento nas exportações -e fim do "rombo".
Essa, a verdade. A sorridente e sarcástica equipe FHC errou desde o começo em suas previsões sobre a volta do saldo da balança comercial e levou a economia ao caos.
A tentativa de falsificação da História é um fato grave na vida do país e para o seu futuro. Impede a sociedade de, agora, analisar o desempenho da equipe FHC, seus erros mantidos durante tanto tempo -a quem eles interessavam, afinal? Impede a sociedade, o Congresso, de abrir o debate em torno de outras diretrizes monstruosamente erradas do governo FHC, como na área da privatização.
Bondade excessiva
É inconcebível encarar a crise econômica como mera "fatalidade", que desabou sobre os "apostadores" de Brasília. Após escancarar o mercado às importações, ao "torrar dólares", a equipe FHC acabou sendo forçada a elevar brutalmente as taxas de juros aqui dentro -desde 1994- para tentar atrair dólares e cobrir o rombo (que, repita-se, dizia que iria "desaparecer" logo). Os juros elevados tiraram o poder de competição e destruíram as indústrias (e a agricultura) nacionais, devastando setores inteiros e desempregando milhões de pessoas. Os juros elevados, ainda, arrasaram as finanças da União, Estados e municípios, consumindo bilhões e bilhões de reais, forçando o corte de despesas até nas áreas sociais (um único exemplo basta: até setembro, o combate à mortalidade infantil havia recebido apenas 5% das verbas previstas no orçamento). O desemprego, o congelamento dos vencimentos do funcionalismo, a queda na renda agrícola ampliaram a inadimplência e a queda no consumo. Milhões de trabalhadores, empresários, famílias pagam o preço da crise. Não se pode tratá-la como mero jogo de carteado.
A sociedade tem o sagrado direito de debater a fundo as origens da crise para exigir mudanças e evitar que, no futuro, outra equipe econômica sorridente e prepotente possa -durante tanto tempo- manter uma inexplicável política que contrariava suas próprias previsões. Uma política que, portanto, errava o tempo todo. A falsificação da História é um crime abominável de lesa-sociedade.

Texto Anterior: Desvalorizações cambiais competitivas
Próximo Texto: O pessimismo, a segurança e a eficiência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.