São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A musa de Dirceu

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nos próximos dois anos o chefe do Poder Judiciário do Estado de São Paulo será o desembargador Dirceu de Mello, vitorioso em eleição na qual superou o atual corregedor-geral da Justiça, desembargador Marcio Martins Bonilha. O papel que os presidentes dos tribunais de Justiça dos Estados desempenham nestes tempos de crise econômica e social corresponde menos ao exercício da função jurisdicional e mais, muito mais, ao cumprimento de missão política, em sentido amplo.
No plano interno a missão política esbarra nas complicações psicológicas e administrativas inerentes aos negócios do Poder Judiciário, cujos problemas são graves e tendem a se avolumar. No plano externo tem havido dificuldade em face dos outros poderes e o relacionamento com a sociedade propõe questões cuja seriedade não vem encontrando resposta adequada. Não se esqueça, por exemplo, o quanto a mídia passou a significar na vida dos magistrados, com a divulgação, muitas vezes negativa ou errada, dos fatos que lhes dizem respeito.
Dirceu de Mello tem condições de superar tais dificuldades. Acompanhei alguns anos de sua carreira de magistério, nos tempos longos e gratificantes em que também ensinei na PUC/SP. Além de ser homem culto, é professor severo e exigente. Mesmo assim, tem trato fácil com a juventude, não se fechando em torre de marfim. Dá a certeza de que saberá ultrapassar os obstáculos, inspirado pela permanente preocupação com a qualidade de Justiça estatal.
A sociedade espera muito do Poder Judiciário paulista. Nesse Estado se desenvolve praticamente a metade de todos os processos que chegam aos tribunais superiores, não só os da própria Justiça estadual, mas também da Justiça Regional Federal e da Justiça Regional do Trabalho.
Embora grande parte das soluções dependa dos legisladores e do Executivo, há muito o que fazer na órbita do próprio Judiciário. Tenho defendido a tese de que a prioridade deve ser a primeira instância das varas regionais e centrais, das juntas de conciliação, das varas isoladas das comarcas menores, onde o povo tem contato direto com a Justiça oficial.
É nesse encontro próximo com a sociedade, no primeiro grau, que a Justiça em ação aparece para a cidadania. Aparelhamento humano que supra a deficiência de pessoal em cartórios e secretarias, utilização plena dos prédios e das instalações judiciais, com suporte material adequado, aumento do número de juízes na base do sistema, atendimento da demanda reprimida nas questões de menor valor econômico e nos julgamentos de infrações penais de menor poder ofensivo contribuirão, a curto prazo, para melhorar as dificuldades atuais.
A vitória de Dirceu de Mello o credencia para o cumprimento de árdua missão. É valorizada por dois elementos relevantes. Em primeiro lugar, pela alta qualidade de seu opositor, Marcio Martins Bonilha. Critiquei atos deste enquanto corregedor-geral, impetrei mandado de segurança contra eles, dei parecer contrário a decisões suas, mas em nenhum momento perdi de vista que se trata de homem sério, trabalhador, competente e bem-intencionado.
Uma segunda razão está no fato de que, sendo oriundo do quinto constitucional do Ministério Público -diversamente de Martins Bonilha, que é juiz de carreira-, parecia mais difícil que alcançasse a preferência de seus colegas nas pesquisas informais. Creio que o novo presidente cumprirá sua missão com qualidade. Dirceu de Mello está para a Justiça assim como a Marília estava para o Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga: é musa dileta, objeto de seus anseios mais fortes.

Texto Anterior: Suicídio classista
Próximo Texto: SP quer terceirizar dez hospitais novos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.