São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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Abolicionistas defendem extinção do sistema penal

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A crise do sistema penal é tal que há os que defendem a sua total extinção. São os chamados abolicionistas, que propõem mudanças de linguagem, de comportamento e apostam na criatividade humana para encontrar formas de resolver conflitos.
Mas, afinal, no que consiste o abolicionismo? Em linhas gerais, é uma crítica profunda do sistema penal, que desnuda suas fraquezas, aponta sua irracionalidade e prega a sua extinção. Como solução, apregoa a devolução do conflito à sociedade, para que esta encontre formas de solucioná-lo (leia quadro ao lado).
Alguns dos "pais" da corrente abolicionista estiveram no Brasil em novembro divulgando suas idéias. Foram realizados debates e seminários em várias cidades do país, dentre as quais São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis.
Louk Hulsman, professor emérito da Universidade de Roterdã (Holanda) e ex-presidente do Comitê Europeu para Problemas Criminais, é um deles.
Em entrevista à Folha, ele disse que, em sua vida profissional, percebeu que, a não ser em casos excepcionais, o sistema penal não funciona de acordo com os princípios que pretendem legitimá-lo.
Hulsman conta que realizou uma pesquisa sobre sentença justa -que leva em conta o contexto em que ocorreu o crime, a proporcionalidade entre a pena aplicada e o delito cometido- e concluiu ser quase impossível que uma decisão assim saia do sistema penal.
Segundo o professor holandês, o sistema opera de forma irracional e tem uma lógica própria, que não tem nada a ver com a vida real das pessoas (leia texto abaixo).
Ele critica a burocracia dos diversos "corpos" (polícia, Ministério Público, Judiciário) que integram o sistema penal. Diz que trabalham isoladamente, em estruturas independentes e voltadas para si mesmas.
"Cada corpo desenvolve critérios de ação, ideologias e culturas próprias. Seu objetivo principal não é resolver os problemas externos, mas sim os internos, tais como atenuar suas dificuldades e velar pelo bem-estar de seus membros, ou seja, assegurar sua própria sobrevivência", declara.
Hulsman afirma que o conceito de crime é relativo e resulta de uma decisão humana que sempre pode mudar. Como exemplo, cita a caça às bruxas na Idade Média e, hoje, o aborto, que em alguns países é crime e em outros não.
Além disso, sustenta que o sistema é seletivo, pois só caem nas suas malhas os menos favorecidos. Dessa maneira, um volume considerável de condutas delituosas não é registrado pela máquina penal, fenômeno que ele chama de "cifra negra da delinquência".
"Quem já não cometeu um delito?", indaga Hulsman. "Todos nós, com certeza. E nem por isso fomos para a cadeia", responde. E exemplifica: urinar na rua, fazer aborto (lembrou que no Brasil, embora seja crime, é grande o número de abortos realizados).
O abolicionismo, para Hulsman, levará a um renascimento do tecido social.

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