São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997 |
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'Tímido' Ademar Guerra ganha biografia
NELSON DE SÁ
É o perfil de "Ademar Guerra: O Teatro de um Homem Só" (ed. Senac), livro que o ator e jornalista Oswaldo Mendes lança nesta terça-feira, a partir das 19h30, no teatro Ruth Escobar. Ademar Guerra, que morreu em 93, encenou peças que espelharam o momento político do país entre 66 e 72, como "Oh, Que Delícia de Guerra!", "Marat/Sade", "Hair" e "Missa Leiga". A seguir, Oswaldo Mendes, que atuou em "Missa Leiga", fala do diretor naquele período. * Folha - "Hair" e "Marat/Sade" são peças emblemáticas dos anos 60. Qual é o significado histórico de Ademar Guerra? Oswaldo Mendes - Eu penso no Ademar dentro da geração de diretores a que ele pertenceu. Foi a primeira e talvez a única geração de diretores no Brasil. Você pode colocar aí Antunes (Filho), que vem do TBC, Zé Celso, que surge, Flávio Rangel, que também vem do TBC, (Antônio) Abujamra. Folha - Augusto Boal. Mendes - O Boal. Você tem uma geração de diretores, cada um com uma linguagem muito particular, mas com uma característica que os une: a paixão quase religiosa pelo teatro. Folha - O que representou "Hair", em 69? Mendes - Antes, em 66, teve também "Oh, Que Delícia de Guerra!", que é o espetáculo em que ele se afirma. O Ademar talvez seja, de todos esses diretores, o mais musical, o que tinha o sentido da música presente o tempo todo. Em "Oh, Que Delícia de Guerra!", ele começa a usar os elementos não só da música, mas da dança. É quando faz a parceria com Márika Gidali, quando ainda não existia o Stagium. Folha - E os temas políticos? Mendes - Em "Marat/Sade", ele relacionava a Revolução Francesa à resistência ao golpe de 64. Ele relaciona com Guevara, por exemplo. No "Hair", que já vem depois do AI-5, é toda uma juventude em movimento. Os jovens tinham um peso muito importante naquele momento, e toda a angústia do Ademar no processo de trabalho era tentar entendê-los. Porque eles não formulavam, eles simplesmente agiam. Ele disse que foi o trabalho mais difícil. Dizia: "Eles estavam dando um passo que eu não conseguia racionalizar, mas eu não tinha que racionalizar, eu tinha que seguir". Folha - E foi uma explosão. Mendes - Foi. O (crítico) Décio de Almeida Prado fala, em depoimento no livro, que você ia assistir e eram dois espetáculos, um no palco e outro na platéia. Folha - Como ele lidou com a censura da época? Mendes - Houve censura a "Hair" por causa do nu. Em geral se achava que era uma peça de jovem, alienada -coisa que não era, depois se percebeu. Mas o problema era a bendita cena do nu coletivo. O texto não preocupava. Folha - Ela foi cortada? Mendes - Não. O Ademar tinha feito a cena de maneira que os jovens estavam cantando, entravam por baixo de um grande pano que cobria o palco e, de repente, saía o pano. Eles avançavam nus para a platéia e era o final do primeiro ato. Uma coisa de arrepiar. A censura, "não, não pode". Ele negociou que diminuiria a luz. Só que depois da estréia a luz foi aumentando, aumentando e, passado um mês, estava como antes. Mas a repressão foi mais violenta com a "Missa Leiga", até pela idéia de fazer dentro de uma igreja. Folha - Ele já saía do teatro? Mendes - Essa é uma outra característica particular do Ademar. Ele sempre rompeu os limites do palco. Naquele momento, ele já propunha um espaço que não fosse só o do teatro. O próprio "Hair" saía do palco. "Marat/Sade" começava na platéia. E "Missa Leiga" ele ia fazer na igreja da Consolação. D. Paulo (Evaristo Arns), d. Lucas (Moreira Neves), que hoje é primaz na Bahia, mas que estava em São Paulo, todos acharam ótimo. Mas outros, não. Então a gente ensaiava, e todo dia era ameaça, de bomba, não sei o quê. A gente teve uns dois ensaios na igreja, mas a pressão vinha de todo lado. Aí chegou a uma altura, "bem, não vamos correr o risco porque os caras...". Na falta da igreja, descobriram uma velha fábrica da Lacta na Vila Mariana. E foi um sucesso doido. Texto Anterior: CLIPE Próximo Texto: Autor escreve como repórter e ator Índice |
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