São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Limite dos juros pode acabar

CELSO PINTO

O exótico limite de 12% para os juros, inscrito na Constituição de 1988, começou a morrer nesta semana, de forma discreta e sem protestos. Ao contrário, o gesso nos juros começou a cair com o apoio do representante do PT.
O fim do limite está embutido na proposta de emenda constitucional número 21, aprovada na quarta-feira pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O alcance da emenda, contudo, é mais amplo. Ela abre a possibilidade, finalmente, de repensar a regulação do sistema financeiro.
A emenda se refere ao famoso artigo 192 da Constituição, que, além de definir o que deveria ser regulado no sistema financeiro, inclusive a participação estrangeira, criou duas barbaridades. Uma é o limite de 12% para os "juros reais", algo jamais definido e que nunca entrou em vigor.
A outra é prever que uma lei complementar deva definir "os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento". Entendida ao pé da letra, a regulamentação poderia proibir, por exemplo, que um cidadão saísse de avião do Piauí com dinheiro no bolso e desembarcasse em São Paulo. Como nada disso foi regulamentado, nada disso entrou em vigor. O artigo, contudo, deixou sequelas. Ele define que o sistema financeiro nacional será "regulado em lei complementar", assim, no singular. O Supremo Tribunal Federal, em março de 1991, decidiu que nada do que está incluído no artigo 192 pode ser regulado isoladamente.
Isso criou uma armadilha. Por mais relevante que seja criar um aparato regulatório para o sistema financeiro nacional, ou redefinir o papel que deve ser exercido pelo Banco Central, nada disso pode ser objeto de lei se, ao mesmo tempo, não se decidir sobre o limite dos juros em 12%, a participação de estrangeiros ou a transferência de poupança entre regiões.
O deputado Saulo Queiroz (PFL-MS), por exemplo, fez um extenso projeto de regulação do artigo 192. Ele tem méritos, mas faz malabarismos para tentar, sem sucesso, encontrar uma saída racional para lidar com o limite dos juros. Não é possível simplesmente revogar o limite; é preciso inventar uma maneira de mantê-lo, formalmente, mas torná-lo inócuo, na prática.
O único ponto do artigo 192 que teve vida prática foi a regulação da participação estrangeira, definida no artigo 52 das Disposições Constitucionais Transitórias. Abre-se uma brecha, que tem sido bastante usada, que permite ao presidente da República, em certas circunstâncias, autorizar estrangeiros a comprar ou participar em instituições financeiras nacionais.
A emenda aprovada na CCJ nasceu de um projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que resolvia o problema da maneira mais simples: revogava o artigo 192 da Constituição, além de um inciso do artigo 163 que trata da fiscalização de instituições financeiras privadas, num capítulo que se refere ao setor público.
O projeto encontrou resistências porque, se o artigo fosse revogado, o Executivo poderia regular o setor por medida provisória (o que não é possível quando a matéria é constitucional). O senador Jefferson Peres (PSDB-AM), então, negociou um substitutivo que mantém apenas o "caput" do artigo 192. Ele diz que o sistema financeiro nacional será regulado, inclusive na questão da participação de estrangeiros, por "leis complementares". Fica mantido, portanto, o artigo 52 das Disposições Transitórias.
Se for aprovada, a emenda não só eliminará todo o detalhamento do que deve ser regulado (incluindo o limite de juros) como permitirá que a regulação seja feita por partes, por meio de tantas leis complementares quantas sejam necessárias. O senador José Eduardo Dutra (PT-SE), membro da CCJ, votou a favor do substitutivo.
Se a emenda for incluída na pauta da convocação extraordinária, como quer Serra, deve ser aprovada pelo Senado em janeiro. Nesse caso, prevê Peres, se o governo quiser, poderá votá-la na Câmara até abril ou maio.
O que demonstrou a votação da CCJ, de todo modo, é que já existe um razoável consenso de que o limite de 12% dos juros na Constituição não é a maneira mais sensata de evitar que o Brasil pratique os maiores juros do mundo.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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