São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Manifesto pelo novo pensamento

LUÍS NASSIF

Prepare-se para tomar partido: vai começar a grande luta do pensamento novo contra o pensamento velho. A cada dia que passa, as formas de pensar -na academia, no governo, na empresa e na imprensa, nos clubes e nas mesas de bar- ficarão cada vez mais nítidas, divididas entre os indivíduos com visão "especialista" e aqueles com visão "holística" (interdisciplinar e integrada).
Confira algumas formas de pensamento "especialista":
* O engenheiro resolve construir o maior número possível de obras. E a construtora quebra por falta de planejamento financeiro. Caso Encol.
* O novo presidente da companhia resolve cortar os custos. Elimina o departamento de desenvolvimento e, tempos depois, quando a economia experimenta um boom, a empresa está fora do mercado por falta de novos produtos. Caso Sharp.
* O macroeconomista diz: se equilibrar o caixa do governo, o país está salvo. A Secretaria do Tesouro suspende a liberação de recursos para determinada obra, que é paralisada, trazendo aumento do custo financeiro, pagamento de multas, desorganização do planejamento no setor, atraso na oferta dos bens que seriam produzidos etc.
Algumas formas de pensamento "holístico":
* Juntam-se em torno de uma mesa representantes da indústria automobilística, dos trabalhadores, dos fornecedores e do governo. Checam-se os interesses e as possibilidades de cada parte. Dois anos depois, o setor volta a ser pujante.
* O comércio exterior passa a ser tratado como uma soma de fatores que incluem novos mecanismos de financiamento, seguro de exportação, promoção comercial, organização das pequenas e médias empresas, acordos comerciais bilaterais e câmbio.
* O desenvolvimento passa a ser visto como soma de reformas institucionais, equilíbrio orçamentário, instrumentos de financiamento, organização do mercado de capitais, desenvolvimento regional, planejamento municipal, logística, privatização etc.
* A saúde é encarada como um todo, onde se incluem ambientes saudáveis, fatores genéticos, prevenção e, só depois, o tratamento.
Falta de profissionais
O "especialista" surge a partir dos métodos de investigação científica criados por Newton e Descartes -que trouxeram inúmeros avanços à humanidade- e que consistia em isolar fenômenos, analisá-los isoladamente, depois, extrapolar os resultados para o todo.
Os avanços da física nesse século demonstraram a necessidade de se analisar os fenômenos a partir do todo, não das partes, já que todas as forças interagem entre si. Ou seja, uma determinada partícula da matéria vale pela maneira como influencia e é influenciada pelas demais, e não por ela em si. Por isso não pode ser analisada individualmente.
Um economista que não sabe avaliar os ângulos monetário, cambial, social, político, externo e setorial, que não tenha noções sobre valores como gerência, tecnologia e organização social, não está apto a entender o país e ser eficiente na formulação de sua política econômica.
Essa constatação -profundamente impregnada pelo pensamento oriental- passou a influenciar todas as formas de pensamento moderno. Mudou-se a forma de pensar a economia, com a teoria do caos, a forma de analisar tendências de Bolsas, de tratar a saúde, de pensar o desenvolvimento -especialmente após a publicação do extraordinário livro "O Ponto de Mutação", de Fritjof Capra.
Manifesto
É essa luta que em breve se deflagrará no Brasil, a partir das conclusões do Congresso Internacional de Locarno, na Suíça -ocorrido entre 30 de abril e 2 de maio deste ano-, que juntou especialistas de todas as partes para discutir a "universidade de amanhã".
O Congresso foi preparado durante oito anos por um grupo de especialistas, especialmente físicos quânticos, biólogos e matemáticos, a partir de estudos elaborados pelo Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (Ciret), em colaboração com a Unesco.
O ponto de partida foi um trabalho assinado por Jacques Dellors, ex-ministro da Cultura da França, propondo uma virada nas formas de ensinar e introduzindo conceitos como a pluridisciplinaridade -o estudo de um objeto de uma única disciplina por diversas disciplinas ao mesmo tempo.
O manifesto visa deflagrar um processo de alteração dos currículos universitários. Nas próximas semanas, esse movimento vai se implantar no país, a partir da montagem de um grupo -composto por formadores de opinião, universidades públicas e privadas- reunido por um grupo de educadores no âmbito do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Bem-sucedido, vai remover da vida nacional um dos principais empecilhos à busca do novo: formas de pensar inadequadas para um novo e maravilhoso mundo complexo que vem por aí.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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