São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Contra o romance social

LUIS BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O caso de "O Amanuense Belmiro" marca uma mudança na ficção brasileira dos anos 30 que tem ficado um tanto escondida atrás da imagem do domínio exclusivo da literatura social no período. O livro de estréia de Cyro dos Anjos vendeu-se: a segunda edição saiu dez meses depois da primeira. Esse sucesso de público de um autor novo só é comparável ao de Amando Fontes, cujo "Os Corumbas" foi o maior best seller de autor estreante da década, com cinco edições entre 1933 e 1935. Mesmo Jorge Amado e José Lins do Rego, os autores mais populares do período, só passariam a vender mais significativamente a partir do segundo ou terceiro livros.
O surpreendente do caso de "O Amanuense Belmiro" é que o sucesso se deu a despeito de seu enquadramento, pela crítica, numa linha "intimista", aos olhos da época necessariamente oposta ao romance social. Ora, se o sucesso de 1933 era um romance social e isso indicava uma tendência clara nas letras brasileiras, o sucesso de Cyro dos Anjos indica, pelo menos, um enfraquecimento dessa tendência. O romance social perdia espaço. Isso se confirma se olharmos para as vendas do mais importante romancista da década, Graciliano Ramos. "Angústia", romance mais introspectivo, de 1936, teria segunda edição em cinco anos. "Vidas Secas" (1938), mais explicitamente regionalista, levaria quase o dobro do tempo para ter esgotada uma edição de apenas mil exemplares.
Mas vejamos as outras novidades de 1937. O grande estreante do ano no romance, ao lado de Cyro dos Anjos, é Octávio de Faria, um assumido inimigo da literatura social, que publicaria "Mundos Mortos", primeiro volume de sua "Tragédia Burguesa". Entre os que se dedicaram ao romance social, não se encontra nenhum sucesso de público, apesar da recepção razoável da crítica. Esse é o caso de romances hoje totalmente esquecidos como "A Barragem", de Ignez Mariz, ou o interessante "Gado Humano", de Nestor Duarte, ou "Subúrbio", de Nélio Reis.
Dentre os autores já conhecidos, um caso que chama bastante a atenção é o do próprio Amando Fontes. Saiu naquele ano seu segundo romance, "Rua do Siriri", que, embora tido pela crítica como tecnicamente superior ao seu sucesso de estréia, foi recebido friamente pelo público. Uma segunda edição demoraria mais de 20 anos para sair -e, mesmo assim, num volume, "Dois Romances", que também incluía "Os Corumbas".
José Lins do Rego, depois de fechado o seu "ciclo da cana-de-açúcar", iria exercitar, em "Pureza", uma técnica mais "intimista". Rachel de Queiroz, que abriria o ano com seu "Caminho de Pedras", romance que tematiza a vida de militantes de esquerda em Fortaleza, seria duramente criticada por intelectuais à direita e à esquerda. O escritor Newton Sampaio chegaria a dizer que se tratava de romance que "chegava atrasado" ao público, já cansado da temática social. Só seria reeditado em 1948, em "Três Romances".
A lista de novidades do ano inclui também Jorge Amado, que lançaria "Capitães de Areia", com um prefácio raivoso contra aquilo que ele chamava de "reação" contra os novos romancistas do Brasil. Em linguagem virulenta, caracterizava certos romances psicológicos como "masturbação intelectual, espécie de continuação da masturbação física que praticam diariamente os seus autores". Sobre a recepção imediata do livro, que posteriormente se tornaria um dos maiores best sellers do autor, basta dizer que sua segunda edição só sairia em 1944.
Mas não se pode deixar de mencionar que este romance teve sérios problemas com a repressão da ditadura Vargas, que, na prática, já era feroz desde pelo menos 1935 -800 exemplares de "Capitães de Areia" foram queimados na Bahia. Esse é, inclusive, o motivo provável da bronca do prefácio: uma identificação da literatura que se negava a se engajar explicitamente à esquerda com o apoio ao regime.
Mas essa identificação não era automática e a leitura do grande sucesso de 1937, "O Amanuense Belmiro", deixa isso claro.

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