São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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'Professores estão se demitindo aos milhares'

ESPECIAL PARA A FOLHA

Peter Gordon, professor titular do Instituto de Educação de Londres se dispôs a conversar com a Folha sobre os impasses da educação britânica, que em muito se assemelham aos de outros países. Com uma significativa experiência educacional como professor primário, secundário e universitário, e tendo exercido também o prestigioso cargo de "Her Majesty's Inspector", quando cuidou da qualidade de centenas escolas do Reino Unido, suas credenciais são incontestáveis.
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Folha - "De agora em diante pobreza não será desculpa para o fracasso." O que o sr. acha dessa declaração do "Ministro das Escolas"?
Peter Gordon - A questão é tremendamente complexa e até agora não se sabe como, numa mesma área, há uma escola boa e outra terrível. O que o governo está querendo é desconsiderar essa complexidade de fatores e, por um passe de mágica, elevar as escolas a um padrão de excelência. Elevar o padrão em 80% até o ano 2002 é uma ambição louvável, mas irrealista; pode-se dizer que 40% das crianças já atingiram o seu "teto". No entanto, quase todo político nos últimos 50 anos tem a pretensão de conseguir isso por decreto.
Folha - Blair acaba de contratar a Reed Executive, a maior agência de empregos do país, para solucionar a crise do professorado. O que o sr. acha disso?
Gordon - A situação é dramática e o governo está desesperado. A promessa de "educação, educação, educação" será um slogan vazio se as escolas não tiverem professores; e eles estão se demitindo aos milhares. A pressão é muita, especialmente após a introdução do currículo nacional e a obsessão das autoridades em avaliar e medir. Há semanas em que o suplemento de empregos tem cem páginas de anúncios de vagas para professores primários e secundários. Mas, deliberadamente, essa campanha não menciona a questão salarial. Como sempre, se espera que as pessoas se sintam motivadas para a profissão como se esta fosse uma causa, uma missão.
Folha - Os "Ofsted Inspectors" são hoje o terror das escolas. Ocorria o mesmo com a chegada dos "Her Majesty"s Inspectors"?
Gordon - Não tanto! Os HMI visitavam as escolas por amostragem, relacionavam seu desempenho com as condições de trabalho e tinham uma visão muito mais ampla de inspeção. Com a criação da Ofsted (Office for the Standards in Education, órgão responsável pela implantação de padrões educacionais), são os princípios empresariais que regem a educação. Muito da verba e da reputação das escolas passou a depender do veredicto desses inspetores. Estes visitam todas as escolas a partir de um critério rígido de desempenho, contido num manual, e são insensíveis à diversidade de suas condições. Não se pode dirigir a educação como uma companhia, impondo as regras do alto.
Folha - O aumento das "public schools" revela que a sociedade está se polarizando ainda mais, a despeito dos esforços do governo para acabar com o que chama de "apartheid educacional"?
Gordon - Sim, elas estão em plena prosperidade, recusando alunos britânicos e estrangeiros por falta de lugar. Mas isso só revela que a sociedade é hoje o que sempre foi: definitivamente estratificada. Não há como fazer desaparecer as "public shools", pois fazem parte da textura da sociedade britânica. Cada vez mais pessoas (obviamente, ainda uma minoria no país) se dispõem a enviar seus filhos para lá alegando razões acadêmicas. No entanto, outra razão -tão ou mais importante do que esta- é que "ser 'public school' " abre as portas para toda uma série posições que, caso contrário, seriam quase inatingíveis. Mas sobre isso não se fala.
Folha - O que pode fazer a educação pela juventude insegura e insatisfeita, que desacata a autoridade e comete violências?
Gordon - Quanto mais se debate a questão, mais me convenço de que a escola é somente um fator dentre inúmeros outros, e que atribuir à escola e ao professor muito poder na sociedade é uma forma de escamotear os problemas sociais e morais que desafiam todos nós. Quando fui professor, elas ainda eram uma espécie de "faro de luz" que atraía as crianças com seus equipamentos modernos. Agora, as escolas do Estado são, em geral, bem menos equipadas do que as casas, até as dos mais pobres. Além disso, com os atrativos como os da cultura pop, a vida lá fora é muitíssimo mais dinâmica e interessante. No passado, as pressões de fora eram bem menores e os jovens, bem mais inocentes. Lembro-me de quando a música pop estava surgindo, em 1965. Era o meu último ano como professor secundário e disse aos alunos que no último dia, como presente de Natal, seriam livres para trazer qualquer coisa para a sala. Isso causou imensa excitação. Um jovem (o mais audacioso!) trouxe um disco que queria que ouvíssemos. E o máximo da ousadia dos alunos foi ouvir a música gingando nas carteiras. "Sabe quem são?", me perguntou o aluno. "Não, mas estou gostando", respondi. "Chamam-se The Beatles!!".

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