São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Trens que "voam"

RICARDO ZORZETTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas primeiras décadas do século 21, algumas das principais cidades do mundo poderão estar interligadas por um sistema de transporte bem mais rápido que o rodoviário e mais barato -e talvez mais veloz- que o aéreo.
Ainda não será o teletransporte, que cientistas austríacos anunciaram na última quinta-feira. Mas as pessoas viajarão entre uma cidade e outra a mais de 500 km/h em um trem sem rodas que flutua pela ação de forças magnéticas.
Em 11 de novembro, esse trem alcançou 503 km/h de uma forma inédita: com uma composição de três vagões, que simulava carga de passageiros. Esse trem é o Maglev. Seu nome vem da abreviatura em inglês para levitação magnética ("Magnetic Levitation").
Além de ser um meio de transporte bastante rápido e eficiente para ligar cidades distantes até cerca de mil quilômetros, o Maglev apresenta outras vantagens.
Sem poluição
Uma das vantagens desse trem é não emitir gases poluentes, pois utiliza energia elétrica. Ele revelou ser um meio de transporte bastante seguro, devido ao sistema de propulsão que funciona em um único sentido, impossibilitando colisões.
"Até agora foram gastos US$ 2,3 bilhões na construção do protótipo e do trecho dessa linha de teste", afirmou Hiroshi Nakashima, do Instituto de Pesquisa Técnica em Ferrovias (RTRI), localizado em Tóquio, em entrevista à Folha.
O país que detém a tecnologia mais avançada para esse sistema de transporte é o Japão, que a desenvolve desde 1962. Durante 20 anos, foram feitos testes com protótipos de um só carro numa pista da prefeitura de Miyazaki, que tem 7 km de extensão.
Segundo Nakashima, eles pretendem alcançar a velocidade de 550 km/h. Um novo protótipo constituído por quatro vagões já está pronto para iniciar testes em 1998.
Os japoneses querem construir uma linha ligando a cidade de Osaka a Tóquio, em que os trens magnéticos viajarão à velocidade de 500 km/h. Ela deverá substituir a do atual trem-bala, o Shinkansen, que faz o trajeto a 300 km/h.
O projeto Maglev recebe apoio financeiro do Ministério dos Transportes do Japão.
Segundo Nakashima, o problema que ainda persiste no desenvolvimento do Maglev é o custo. No futuro, a relação custo-benefício por passageiro será satisfatória", disse.
Forças magnéticas
O princípio de funcionamento dos Maglev tem por base a ação de forças magnéticas responsáveis pela levitação, direção e propulsão do trem (veja quadro ao lado).
Num dos sistemas de levitação magnética desenvolvido atualmente, há dois tipos de bobinas instaladas nas paredes de concreto dos canais que o trem percorre: as de levitação e direção e as de propulsão.
As bobinas de levitação, que erguem o trem do solo, estão dispostas em duas fileiras em cada parede.
Quando o trem se desloca e passa por essas bobinas, uma corrente elétrica as percorre, transformando-as em potentes ímãs, que reagem com outros ímãs instalados nos vagões do trem.
As bobinas da fileira inferior geram uma força que empurra o trem para cima, enquanto as superiores o puxam nesse sentido, fazendo-o levitar.
Essas bobinas de levitação também mantêm os trens no centro do canal. Cada bobina está conectada com uma correspondente na parede oposta do canal.
Se o Maglev se desloca para um dos lados, como se fosse descarrilar, a eletricidade passa por essas bobinas, criando uma força que o empurra para o centro da pista, na parede mais próxima a ele. E é criada também outra força que o puxa, na parede mais distante.
Para impulsionar o trem magnético, há de cada lado do canal uma fileira de bobinas de propulsão.
Uma corrente elétrica alternada percorre as bobinas, criando forças que puxam os ímãs dos vagões para a frente. A mesma bobina age empurrando o ímã do trem depois que ele passa.
O conceito de trens magnéticos que levitam surgiu nos Estados Unidos no início do século, quando o cientista norte-americano Robert Godard apresentou a idéia de usar forças magnéticas para facilitar o transporte.
Alguns anos mais tarde, Emile Bachelet, outro norte-americano tentou fazer experiências de levitação magnética. Mas o processo se revelou inviável pela grande quantidade de energia consumida.
Sob o apoio criado pelo Fundo de Transporte Terrestre de Alta Velocidade, instituído em 1965, várias empresas associadas a institutos de pesquisa começaram a desenvolver experimentalmente sistemas de levitação nos Estados Unidos.
Nesse mesmo período, foi desenvolvido nos EUA um protótipo do motor linear, que é o sistema de bobinas atualmente utilizado nos Maglevs.
No entanto, a extinção do fundo federal para pesquisa em Maglevs levou as indústrias a perderem o interesse na área, segundo relatório do governo norte-americano sobre a Iniciativa Nacional Maglev.
Enquanto isso, a tecnologia dos trens magnéticos foi sendo desenvolvida por instituições de pesquisa de outros países como França, Reino Unido e Alemanha, além do Japão.
Em 1994, o governo alemão decidiu iniciar a construção do trem magnético Transrapid, que deverá ligar as cidades de Berlim e Hamburgo, distantes 280 quilômetros uma da outra , a velocidades próximas a 400 km/h.
As previsões são de que um primeiro trecho do trajeto seja inaugurado em 1998 e que o percurso todo esteja pronto por volta de 2005.
Engenheiros suíços estão estudando a realização de um projeto de um trem Maglev que percorreria túneis com semivácuo.
A pressão do atmosférica nesses túneis seria de um décimo da pressão normal. Isso deverá reduzir o atrito do trem com o ar e permitir velocidades superiores aos 500 km/h.
No Brasil
Neste ano, o Brasil, por meio de um acordo de cooperação com a Universidade Técnica de Braunschweig e o Instituto de Alta Tecnologia de Jena, ambos na Alemanha, começou a dar os primeiros passos para começar a desenvolver a tecnologia dos trens Maglevs.
A etapa preliminar do projeto começou em outubro, com o início da construção do Laboratório de Aplicações de Supercondutores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Durante a primeira etapa, o laboratório deverá realizar testes com ímãs permanentes e bobinas convencionais em tamanho reduzido", disse o pesquisador Roberto Nicolsky, diretor do laboratório.
A previsão é de que essa etapa dure até a metade de 1999.
Segundo Nicolsky, uma segunda etapa desse projeto, na qual seriam realizados diversos testes de ímãs e pastilhas magnéticas em escala real, poderia ser concluída até o ano 2001.
O pesquisador prevê que uma terceira fase, que ainda não foi planejada, deverá incluir a construção de um trecho de linha e um protótipo, poderia ser realizada até 2005. O Maglev brasileiro ligaria o trecho que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, e talvez pudesse ser estendido até Campinas (SP), segundo Nicolsky.

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