São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Eles já vivem na recessão

GILBERTO DIMENSTEIN

A disseminação do fax e do correio eletrônico está tirando um personagem das ruas: os office-boys.
Não apenas das ruas, mas dos próprios corredores das empresas, onde levavam e traziam mensagens, substituídos cada vez mais por mecanismos mais baratos e rápidos de fluxo de informações.
A gradativa extinção dos "boys" fecha perspectivas para adolescentes com baixa escolaridade, deixando-os apenas nas ruas, mas sem ocupação.
Essa mudança na paisagem urbana compõe uma bomba social embutida nas estatísticas de emprego -mas praticamente desconhecida.
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Está errada a idéia generalizada e incansavelmente repetida de que o chefe de família seria a principal vítima do desemprego no Brasil.
Impressiona e comove mais quando se liga o desemprego ao pai desesperado, obrigado a sustentar mulher e filhos.
Concentramos nossa atenção nas categorias organizadas, como metalúrgicos; até porque é a foto deles que aparece estampada nos jornais durante as assembléias.
Essa desinformação impede que se tome consciência de um perigo tão grave como o pai zanzando pelas ruas, sem condições de levar comida para casa.
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O desemprego atinge, de fato, mais intensamente os jovens, com baixa escolaridade, gerando a combustão necessária para o aumento ainda maior da criminalidade. É um fenômeno comprovado em estudos realizados na Europa e nos EUA.
Basta ver que a imensa maioria da população carcerária é feita de jovens, incapazes de se colocar no mercado de trabalho, vítimas de processo contínuo de exclusão -um ex-preso está condenado a ser um marginal.
Anotem: no Brasil, de cada 100 presos, 85 voltam a delinquir. Pagamos, portanto, não para reformar marginais. Para para torná-los mais violentos.
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O pior é que, segundo mostram os estudiosos de população, a faixa entre 15 e 25 tende a crescer, numa onda demográfica, enquanto se reduzem empregos para pessoas com baixa escolaridade.
Baseados em dados demográficos, criminologistas americanos fazem cálculos matemáticos e informam que a violência nas cidades americanas tende a crescer apenas porque cresce a porcentagem de adolescentes.
O fato: não estamos nos preparando para essa onda.
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Peguem-se, por exemplo, os números levantados pela Fundação Seade junto com o Dieese, patrocinado pelos sindicatos.
São números que têm provocado bate-bocas entre governo e dirigentes de trabalhadores sobre a extensão do desemprego, mas não discutem o ângulo dos jovens e adolescentes. "Não adianta falar na média. Precisamos ver como cada camada é afetada", reconhece a socióloga Felícia Madeira, da direção do Seade.
Governo e sindicatos acusam-se de manipular, esconder, distorcer dados, num debate em que ambas as partes parecem ter uma dose de razão.
Mas quando se analisam os dados, vemos que de cada 100 desempregados detectados pelo levantamento quase 60 têm até 24 anos e sem filhos.
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Só para mostrar o perigo: a taxa de desemprego entre adolescentes brasileiros (15 a 19 anos) chega aos 30% em São Paulo, utilizando os critérios do levantamento Seade/Dieese.
O IBGE revela que, hoje, existem no país 2 milhões de adolescentes que não estudam nem trabalham.
Na prática, é como se já vivessem na mais terrível das depressões econômicas, sem perspectivas, presas fáceis do crime.
É possível se imaginar uma boa política de segurança sem levar em conta essa onda? Impossível.
As linhas das drogas, do crime e do desemprego juvenil costumam andar juntas.
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Ruas mais calmas vão depender também do número de estudantes que se mantêm nas escolas e das perspectivas de entrada no mercado de trabalho.
Os melhores projetos para combater marginalidade em qualquer parte do planeta são bem-sucedidos porque misturaram educação com geração de renda. É o que explica por que os traficantes da Mangueira são obrigados a recorrer por mão-de-obra em outras regiões. Ou por que jovens do Harlem, em Nova York, deixaram o tráfico, depois de ter uma chance de emprego.
Só os ignorantes imaginam que uma boa política de segurança significa exclusivamente mais policiais nas ruas.
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PS - Um projeto que vale a pena ser conhecido, por revelar cidadania empresarial. A Bolsa de Mercado & Futuros, de São Paulo, treina adolescentes em construção civil; são obrigados a estar matriculados na escola. Depois das oficinas são levados a fazer construções nas suas próprias comunidades.
De cada 10 aprendizes, 7 estão conseguindo colocação no mercado de trabalho.
O próximo passo é ambicioso. Num projeto educativo, grupos empresariais articulados com sindicatos de trabalhadores querem que esses jovens participem da recuperação do centro junto com paisagistas e artistas plásticos, numa união da ética com a estética.
Na magia da solidariedade, o indivíduo que ameaçava a cidade passa a construí-la.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com

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