São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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O automóvel e a vaca sagrada

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A luta do momento é para manter os empregos no setor automotivo. Não é para menos. Tratam-se de postos de trabalho de alto valor. Os investimentos necessários para se criar um só emprego nesse setor são gigantescos. As exigências educacionais para o seu preenchimento são altas e os salários se situam entre os mais elevados da indústria.
É uma tristeza assistir ao fechamento de postos de trabalho de tamanha qualidade. A torcida geral é para uma retomada das atividades do setor e a volta à plena produção e altas vendas de veículos. Ao mesmo tempo, a cidade de São Paulo implementa um programa de rodízio porque as vias públicas não mais comportam os veículos particulares.
Esse problema é mundial. Há pouco tempo estive em Cingapura e me assustei ao ver que, para se licenciar um carro, o seu proprietário paga entre US$ 27 mil e US$ 49 mil por ano! E, além disso, é obrigado a pagar um pedágio de US$ 2 para entrar no centro da cidade todos os dias -sem falar nos altos impostos de importação.
A revista "Economist" publica reportagem de capa sobre essa contradição mundial. A capacidade das indústrias para produzir automóveis é muito maior do que a dos governos em expandir as vias públicas, construir estacionamentos e acudir os que se acidentam em desastres.
De repente, a humanidade descobriu que o veículo individual, se de um lado é muito cômodo, por outro, é extremamente caro para ser sustentado pela comunidade. O mundo está entupido de automóveis e ninguém sabe como resolver os problemas de infra-estrutura.
Inúmeras cidades da Europa já adotaram os sistemas de pedágio urbano. Parece que essa medida funciona melhor do que a simples elevação do preço do carro ou do combustível. Mas ela é um desestímulo ao uso do automóvel. Ademais, o pedágio urbano só pode ser implantado em cidades que contam com boas redes de transporte público -o que também custa muito dinheiro.
É evidente que esses constrangimentos não deveriam ser invocados para explicar a crise por que passa o setor no Brasil. Ela está ligada ao descompasso tecnológico de algumas empresas, à exagerada elevação dos custos de produção e aos problemas conjunturais criados pela alta dos juros e principalmente pelas dificuldades de exportação.
Mais cedo ou mais tarde, esses problemas serão superados. Grave é a crise da infra-estrutura. As sociedades modernas exibem uma saturação de veículos que não têm a menor contrapartida do lado das vias públicas. É intrigante essa falta de planejamento do ser humano nesse campo.
Numa hora em que se vê tanta reclamação em face da ameaça do governo em aumentar a taxa de embarque em vôos internacionais -que as pessoas fazem raramente- haveria políticos com coragem suficiente para propor o pedágio urbano atingindo a população inteira durante 365 dias por ano? Esse dilema terá de ser resolvido. Se, de um lado, não se pode adotar a solução da China com suas 400 milhões de bicicletas, de outro, não podemos continuar produzindo automóveis que não têm onde rodar.

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