São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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O Brasil na corda bamba

PAULO PEREIRA DA SILVA

Em um dos livros mais impressionantes sobre o capitalismo no mercado global, "O Mundo na Corda Bamba" (que deve sair no Brasil em janeiro), o analista econômico norte-americano William Greider compara a globalização a uma máquina gigantesca que anda sozinha, sem controle. Por onde passa, deixa um rastro contraditório de riqueza e destruição. Não adianta tentar pará-la. A máquina terrível avança; o que podemos fazer é procurar entendê-la e nos adaptar a seu ritmo.
O furacão provocado por ela varre o mundo com maior intensidade há dez anos. Em 97, devastou o Sudeste Asiático, cujo modelo de desenvolvimento até há pouco nos servia de exemplo.
A superprodução de bens -principalmente automóveis- no mundo já provoca uma das famosas crises cíclicas do capitalismo. Especuladores e investidores ganham e perdem fortunas a um simples toque em seus computadores. Tudo é instantâneo. Tudo é virtual.
Só não é virtual -é real- o efeito da máquina devastadora sobre a vida e o emprego dos trabalhadores. A reestruturação de empresas e países, a redução de custos para ser competitivo, a busca desesperada do consumidor de bens e serviços tornam cada vez mais adequadas as palavras selva e selvageria.
O capitalismo é cada vez mais selvagem, infelizmente. A falência do socialismo real não foi sucedida pela humanização do sistema. O mercado é o novo deus, ou demônio, que tudo controla. Mas quem controla o mercado?
O acordo para reduzir jornada de trabalho e salários assinado nesta semana entre a Força Sindical e as autopeças, para garantir empregos, é um exemplo das consequências da globalização e das leis do mercado sobre as pessoas.
Há quase um ano discutimos a necessidade de um acordo, com sacrifícios dos trabalhadores (que abririam mão de parte dos salários), das empresas (que abririam mão de horas trabalhadas) e do Estado (que abriria mão de parte dos impostos). O governo, ávido por impostos, e alguns líderes empresariais, ávidos por mamatas, não quiseram o pacto -que agora fizemos sozinhos, com parte do empresariado.
Esse, infelizmente, é um dos problemas do governo. O presidente tem um belo projeto econômico e social, mas sua equipe, que tenta executá-lo, é tão tecnocrata e socialmente insensível quanto a dos governos militares. A consequência é que os resultados sociais ainda são bastante discutíveis.
Do discurso do honrado e bem-intencionado Fernando Henrique Cardoso aos resultados de seus ministros da área econômica e de seus líderes no Congresso vai uma enorme distância.
A atual crise (não adianta escondê-la nem polemizar sobre números: desemprego e pobreza são reais, não virtuais) e nosso desesperado acordo são um alerta para o governo e a sociedade.
Trabalhadores e empresários fizeram sua parte, fechando um acordo que sabemos paliativo. Falta o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) fazer a sua. Foi bom o governo não ter se envolvido em nossa negociação. Agora, é necessária uma política concreta para o social. Não podemos esperar mais.
Logo depois do pacote fiscal, o presidente da Força Sindical, Luiz Antonio de Medeiros, levou ao ministro Antonio Kandir um "pacote social", com 14 sugestões. Até agora não temos notícia do que o ministro fez com isso.
Algumas propostas são extremamente simples, até tristes. Só pedem que o governo cumpra o que prometeu, gerenciando bem programas que já existem, como o da intermediação de emprego (um fracasso nacional), o Proger e os de estímulo a atividades altamente geradoras de trabalho, como a construção civil (nem falamos das reformas estruturais: até os cisnes do lago do Congresso sabem que precisam ser feitas).
É impressionante saber que existe dinheiro a juros baixos (isso mesmo!) para micro e pequenas empresas, não emprestado porque o mastodôntico Banco do Brasil vive uma de suas piores crises gerenciais. Entre concorrer com o Bradesco e cumprir seu papel social, prefere a primeira alternativa -e dane-se o desenvolvimento.
É angustiante saber que, dos US$ 5 bilhões do FGTS reservados para investimentos em habitação e saneamento em 97, só 25% serão emprestados, por causa da burocracia. O Estado não só gasta muito como gasta mal; um choque de competência seria bem-vindo.
Chegou a hora da verdade. O sacrifício que os trabalhadores estão fazendo é um gesto de esperança que vai durar pouco. Depois do ajuste fiscal de emergência, que apoiamos com restrições, o presidente fica nos devendo algo mais duradouro. É preciso ser firme e implacável com burocratas e incompetentes.
A máquina enriquecedora e destruidora da globalização avança sobre nós, e o país ainda não está preparado para enfrentá-la. Entregamos os dedos para não perder as mãos. Não podemos entregar as mãos para não perder os braços, porque é com mãos e braços que trabalhamos. O presidente, um intelectual, deve pensar nisso. No caso dele, se fracassarmos, não é o anel, o dedo ou o braço que ele perde, mas a cabeça. Isso não seria bom para o Brasil.

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