São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Pequena glândula, grandes problemas

IZABELA MOI

Novo ambulatório, inaugurado no mês passado no Hospital das Clínicas, faz diagnóstico de doenças da tireóide em 48 horas
O Hospital das Clínicas inaugurou no mês passado um centro especializado no tratamento de disfunções da tireóide que se propõe a ser o mais rápido e eficiente do país nessa área. Os médicos do Ambulatório Integrado de Tireóide pretendem dar diagnósticos em 48 horas.
A glândula tireóide, localizada no pescoço, é responsável pela produção de hormônios que regulam o equilíbrio metabólico do organismo. Quando seu funcionamento não é normal, ela pode ser o pivô de duas doenças: o hipotireoidismo (produção de hormônio abaixo do necessário) e o hipertireoidismo (produção acima do normal).
Há ainda uma terceira doença, bastante comum, ligada a essa glândula: o aparecimento de nódulos na região, podendo ser benignos (90% dos casos) ou malignos.
Segundo o endocrinologista Geraldo Medeiros Neto, responsável pelo novo ambulatório do HC, cerca de 4% da população sofre de hiper ou hipotireoidismo -na população acima de 45 anos, esse número sobe para 30%.
"Mesmo assim, problemas na tireóide muitas vezes são encarados como frescura", diz o endocrinologista Eduardo Tomimori, um dos coordenadores do projeto do ambulatório.
A tireoidite pós-parto, por exemplo, é uma disfunção temporária que atinge entre 5% e 9% das mulheres logo após o nascimento do bebê e que dura até nove meses. Como os sintomas são parecidos com os da depressão e passam depois de um tempo, os médicos acabam não detectando a doença. Nesses casos, a mulher se sente cansada, fraca e desanimada (hipotireoidismo) ou agitada e ansiosa (hipertireoidismo).
Mesmo quando não é temporária, a doença é difícil de ser diagnosticada. O designer Cláudio Luís Alegre, 39, sofria de hipotireoidismo e passou dois anos "flutuando", "a 10 cm do chão", como ele mesmo descreve a sensação. "Eu me sentia muito esquisito, deprimido. Pensava devagar, falava arrastado, tudo demorava muito, era surrealista", lembra.
O hipotireoidismo é uma doença auto-imune, ou seja, acontece quando o organismo começa a produzir anticorpos contra a própria glândula e ainda não se conhece ao certo sua causa.
Alegre procurou vários médicos e nenhum conseguia descobrir seu problema. No começo foi tratado só com aspirina. No final, estava tomando drogas muito fortes, que o deixavam ainda mais "doidão", porque foi diagnosticado como vítima de depressão profunda.
Foi numa festa que Alegre conseguiu um diagnóstico preciso para a sua doença. "Estávamos conversando num pequeno círculo, e uma das convidadas, que eu não conhecia, me perguntou de cara se eu tinha alguma problema de tireóide", conta.
A endocrinologista Fernanda Dininno, da Universidade Federal de São Paulo, era a convidada que identificou os sintomas. "Ele estava inchado, com a pele seca e envelhecida, que descamava. Perguntei também sobre sonolência e seu estado geral de ânimo. Tudo batia", afirma Fernanda, que prepara sua tese de doutorado sobre o assunto.
Os sintomas eram típicos de hipotireoidismo: depressão, sonolência, fraqueza, ganho de peso (inchaço), mau funcionamento intestinal e intolerância ao frio.
Depois de diagnosticado com exames de sangue, o designer tratou-se com medicamentos. Sua glândula atrofiou-se e, por isso, terá de tomar hormônios pelo resto da vida e fazer exames periódicos a cada quatro meses, mas isso não é problema para ele. "Pelo menos, minha vida voltou ao normal", afirma.
Nos casos de hipertireoidismo, o sintoma mais aparente é o contrário, a perda repentina de peso. Além disso, os pacientes sofrem com agitação constante, que se manifesta por nervosismo, insônia, tremor de mãos, calor excessivo, taquicardia e falta de ar.
Os médicos também não sabem a causa do hipertireoidismo, fenômeno no qual o corpo, "enlouquecido", começa a fabricar estimuladores da glândula, que produz mais hormônio do que deveria.
As duas disfunções -hiper e hipo- são mais comuns em mulheres, na proporção de sete casos para cada paciente homem.
Cirurgias demais
Se o hipo e a hipertireoidismo são subdiagnosticados e pouco tratados, o oposto acontece quando o médico descobre nódulos na tireóide do paciente. A tendência é operar.
"Como as cirurgias resolvem o problema, mesmo quando se trata de câncer, elas se tornaram procedimento padrão", explica Tomimori. O problema é que se a tireóide for danificada pelo cirurgião, poderá causar hipotireoidismo no paciente.
A endocrinologista Rosalinda Camargo, do HC, calcula que cerca de 80% dos pacientes operados para extração dos nódulos não precisariam passar por isso. Nódulos benignos não precisam ser retirados, a não ser quando são muito grandes e atrapalham o paciente, que tem dificuldade, por exemplo, de movimentar o pescoço. Entre 17% e 20% da população têm nódulos na tireóide -a grande maioria sem sintomas aparentes.
Os casos de câncer de tireóide são facilmente curáveis. A professora Inez Bartolo, 47, descobriu o nódulo no pescoço no ano passado. Ela já sofria de hipotireoidismo há dez anos e, por isso, se consultava regularmente com um endocrinologista. "Durante o exame de ultrassom, o médico diagnosticou na hora que havia um nódulo", conta. Operada, a professora passa bem e diz que não sente mais nada.

ONDE ENCONTRAR - Ambulatório Integrado de Tireóide do Hospital das Clínicas - atende particulares, conveniados e pacientes do SUS. É preciso tirar uma guia de encaminhamento em qualquer hospital público e marcar consulta pelo telefone 3069-6869, das 7h às 14h. A fila de espera já é de um mês. R. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, s/ número, Pinheiros.

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