São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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BEIJINHO, BEIJINHO...TCHAU, TCHAU

GABRIELA MICHELOTTI; ADRIANA VIEIRA; LAVÍNIA FÁVERO; MARIANA SGARIONI; IZABELA MOI

Como a cantora Madonna, Xuxa mostra, em rede nacional, que hoje os homens podem servir como "reprodutores de luxo"
POR GABRIELA MICHELOTTI, ADRIANA VIEIRA
Colaboraram Lavínia Fávero, Mariana Sgarioni e Izabela Moi

Vestida de branco, com a barriga de fora, Xuxa, em uma versão tupiniquim da cantora Madonna, anunciou há uma semana, em rede nacional, sua tão esperada gravidez.
Cerca de 2,7 milhões de pessoas -só na Grande São Paulo- viram também o empresário e ator de última hora Luciano Szafir, 29, ao lado de Xuxa, ser enquadrado na figura de "reprodutor de luxo", expressão usada três dias depois pelo próprio pai de Luciano.
A apresentadora de 34 anos disfarçou mal: interrompeu várias vezes as falas do namorado, confessou sentir que o filho é só dela ("as pessoas dizem que o filho é nosso, mas eu sinto que é meu") e levou Faustão a dizer que Luciano "foi escalado para ser pai".
Rica e carente, rainha até então estéril dos baixinhos, Xuxa encarnou sem querer o papel feminista deste fim de século.
Depois de obterem destaque no mercado de trabalho, de terem derrubado o tabu da virgindade e a obrigatoriedade do casamento, faltava às mulheres se resolverem com o seu instinto maternal.
Quando os limites biológicos começam a pressionar, várias já não hesitam em "descolar" uma gravidez. A engenheira agrônoma Cyra Malta Olegário da Costa, 30, queria ser mãe já havia algum tempo. Primeiro, era cedo demais, afinal ainda frequentava a faculdade. Depois, quando estava empregada, não aparecia o homem certo e começava a ficar tarde...
Cyra diz que a gravidez não foi planejada, mas "foi premeditado não usar camisinha". "Eu sabia que, a partir dos 35 anos, a primeira gravidez se transforma em uma situação delicada, aumenta a chance de cesárea e outros problemas. Vi que era a hora. Não tenho mais 15 ou 20 anos. Acho 30 uma idade legal", diz.
Grávida, a engenheira preferiu não contar para o pai da criança, "uma pessoa com a qual saía frequentemente, mas que não era namorado".
"Essa decisão era minha, não dá para ser conjunta. O masculino não participa disso e parece que eles sempre querem o aborto por ser a solução mais fácil. No meu caso, ele proporia tirar, e eu não ia querer", conta.
A gravidez foi tranquila e o parto, normal. Logo que Acauã nasceu, há seis meses, Cyra mudou de idéia e decidiu avisar o pai para que o menino "tivesse uma figura paterna".
"Ele demorou um mês para aparecer, conferiu as datas para ver se era mesmo possível ser o pai. Pediu até um teste de DNA para ter certeza. Eu me senti um pouco ofendida, porque não há dúvida", diz.
O teste ainda não foi feito por ser caro. Cyra explica que não pretende entrar na Justiça, não quer dinheiro, pensão, nada disso. "Eu me considero amiga do pai do Acauã e acharia legal ele estabelecer uma relação com o filho, porque, se ele demorar muito, corre o risco de um dia querer, e o filho não se interessar mais por ele."
Cyra não se arrepende e não pensa em se casar logo. "A gravidez me fortaleceu muito psicologicamente. A gente passa a olhar o mundo com outro enfoque. Deixa de se irritar com pequenas coisas do cotidiano", diz.
A engenheira lembra que ter um filho sozinha implica fazer opções. Ela teve, por exemplo, de voltar a morar com a mãe, para ter alguém ajudando a cuidar da criança e para dividir as depesas. "Para ter um filho, você precisa ir contra todo o esquema individualista da sociedade de hoje", acredita Cyra.
O ginecologista Paulo Eduardo Olmos, especialista em reprodução humana, afirma que casos como o de Cyra são cada vez mais frequentes. "Quando vão se aproximando dos 40 anos, as mulheres começam a ficar ansiosas. O medo é que a idade reprodutiva passe, e elas fiquem sem filhos", diz.
O médico afirma ver em seu consultório mulheres se casando ou se unindo a homens "na maior pressa, engravidando rapidamente."
Olmos conta ainda que não é raro encontrar "mulheres ricas e educadas se envolvendo com homens de nível cultural diferente, como o professor de musculação ou o motorista". "Elas acreditam estar apaixonadas, mas estão apenas respondendo à obsessão de serem mães", afirma o médico.
Foi o que Madonna, 39, fez com o seu personal trainer Carlos León, 30, e parece ter sido esse o caso de Carlito Marcelino, 36, dono de uma empresa de manobristas.
Há dois anos, Carlito conheceu Vera*, hoje com 30 anos, na agência de turismo onde trabalhavam, em São José dos Campos -ela como estagiária de publicidade; ele, agente de vendas.
Depois de três meses saindo juntos, Vera engravidou. "Ela foi muito clara: disse que não queria casar, mas queria o filho. Acho que a intenção dela era fazer uma produção independente. Eu perguntei por que não poderíamos ficar juntos, mas ela respondeu que eu não fazia o seu tipo, não tinha o mesmo nível cultural", diz Carlito.
Ele conta que se sentiu humilhado, "um laranja". "Durante a gravidez, ela me procurou e pediu para que eu fosse ao escritório de advocacia do seu pai dizer que eu queria me casar. Fui e conheci o seu pai, que me tratou bem. Mas, no dia seguinte, outra decepção: ela disse que mantinha sua decisão de não casar e só queria que seu pai soubesse que ela não saía com qualquer um", conta Carlito, pai de uma menina de 1 ano e dois meses.
Em entrevista à Revista, Vera disse apenas que a gravidez não foi premeditada e que não se casou com Carlito porque não o amava. "Eu nunca quis constituir família com ele."
Sexo agressivo
A completa inversão de papéis -elas sedutoras; eles "usados"- incomoda a maioria dos homens. "Depois de uma certa idade, o amor deixa de ser tão importante quanto o filho para as mulheres", diz o vendedor Clóvis Teixeira, 31.
Para ele, "essa coisa de produção independente ainda está no começo, restrito às formadoras de opinião, mas pode virar tendência em alguns anos". "De sexo frágil, a mulher está mudando para o sexo agressivo", diz o vendedor Clóvis Teixeira, 31, solteiro.
O securitário Paulo Neto, 37, concorda: "Aos 30 anos, as mulheres realmente começam a desesperar. Querem casar correndo e ter filhos, porque acham que, se não for agora, não será nunca mais".
Neto diz que conhece uma garota que engravidou e logo depois "chutou o cara". "Eu nunca entraria numa dessas, porque sou prevenido. E, para garantir, nem me relaciono com mulheres dessa idade."
A advogada Priscila Fonseca, 48, especialista em direito de família, criou até uma expressão para enquadrar esse tipo de mulher: "ladras de esperma".
"Infelizmente, há muitos casos. São dois tipos diferentes: as interessadas em dar o golpe do baú, que chegam a dizer que não vão interromper a gravidez porque estão com o 'reizinho na barriga', e aquelas que estão perto do limite biológico de reprodução e arrumam um parceiro rapidamente, só para engravidar", diz Priscila, responsável por um dos mais concorridos "escritórios de divórcios" de São Paulo.
Para a psicanalista Miriam Schnaiderman, o fato de querer ser mãe sem se casar não é um problema, mas as "produtoras independentes" devem estar preparadas para enfrentar a barra sozinhas. "E os homens que se prestam ao papel de apêndices nesse sonho de maternidade precisam ter consicência que a mulher jamais cobrará sua participação na educação da criança", diz.
Miriam acha que, nos casos de Xuxa e Madonna, existe também um componente de marketing. "Elas engravidam quando seus corpos estão mudando e a beleza de gatinha vira beleza de mulher. O filho ajuda essas estrelas a serem melhor aceitas."
Contra a corrente, o administrador de empresas Carlos Fernandes, 36, teria tudo para se sentir um "reprodutor", mas não tem complexos. Doador de sêmen há cinco anos, ele diz ser um "filantropo nato". "Sempre doei sangue, fui voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida), gosto de ajudar as pessoas", diz.
Carlos decidiu se tornar doador depois de ver um cartaz em um hospital. "Passei por uma entrevista, exames e, depois de ser considerado apto, fiz um contrato para doar 12 vezes. Durante um ano, todos os meses, frequentei o banco de sêmen."
Ele não sabe se tem algum "filho por aí" e tem certeza de que nunca vai querer conhecer a criança. Sua doação é voltada para casais, mas Carlos não se importaria que fosse usada para uma "produção independente". "Esse tipo de coisa faz parte do mundo moderno, a mulher deve ser livre para escolher o que quiser."
No Brasil, o código ético do Conselho Federal de Medicina não permite aos médicos fazer inseminação artificial em mulheres solteiras -a paciente precisa provar que tem um relacionamento estável e heterosexual (o médico Roger Abdelmassih,
especialista em reprodução, conta que já foi procurado por duas lésbicas que queriam usar um banco de sêmen).
Casado desde 1993 com uma mulher de 40 anos, em uma situação financeira estável, Carlos nunca quis ter filhos e diz que a mulher não se importa com as
suas doações. "Temos todas as condições de criar uma criança, mas não temos vontade. A vida a dois é muito boa. Se cansarmos, um dia poderemos adotar um menino de rua", diz o administrador.
Para ele, o importante de doar esperma é saber que "está fazendo alguém feliz". Talvez Luciano Szafir pense assim.

* nome trocado a pedido do entrevistado

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