São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Os profetas e as respostas

ANDRÉ LARA RESENDE

Na Coréia do Sul, as finanças públicas estavam equilibradas e a taxa de poupança interna era perfeitamente adequada. Desequilíbrio externo? As exportações tiveram um crescimento próximo de 20% ao ano no primeiro semestre e o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, antes das desvalorizações recentes, limitava-se a 2,5% do produto interno. A economia estaria estagnada, sem sinais de recuperação? No início do ano, a Coréia acabara de ser admitida no clube da OECD e o seu crescimento, apesar de mais modesto do que o das últimas décadas, acreditava-se, deveria continuar acima da média mundial.
Compreende-se que a crise gere tanta perplexidade. O encadeamento de crises financeiras em economias cada vez mais interligadas é, sem dúvida, grave e preocupante. O capitalismo nunca esteve a salvo da possibilidade de crises financeiras seguidas de recessão prolongada. A grande crise dos anos 30 já vai longe, mas deitou raízes profundas no patrimônio psicológico e intelectual deste século. Em torno da tentativa de compreendê-la e de estabelecer políticas para evitar que pudesse vir a se repetir, desenvolveu-se uma parte significativa da teoria macroeconômica de hoje. A contribuição intelectual de John Maynard Keynes sobre o tema transformou-o, até mesmo para seus críticos posteriores, no mais influente economista do século.
Muito do extraordinário progresso do pós-guerra deve ser creditado à melhor compreensão das flutuações macroeconômicas e ao desenvolvimento de políticas para aliviá-las. A revolução keynesiana produziu um longo ciclo de expansão sem crises recessivas agudas. Mais recentemente, a contra-revolução monetarista ensinou-nos que há limites para o ativismo macroeconômico se a inflação quiser ser evitada.
A interligação financeira internacional dos últimos anos, na esteira dos progressos da informática e das telecomunicações, é, entretanto, um fenômeno novo. Tanto a macroeconomia keynesiana como sua revisão monetarista lidavam essencialmente com economias financeiramente fechadas. O avanço da teoria macroeconômica internacional ainda não foi capaz de dar respostas aos desafios das finanças internacionalizadas e dos fluxos financeiros exponenciados pela capacidade criativa dos chamados "derivativos" financeiros.
Crises como as das economias asiáticas são um prato cheio para os profetas do apocalipse. Há sempre algum guru obscuro, cujas previsões sombrias, há décadas sistematicamente desmentidas, agora são descobertas como proféticas. O alemão Robert Kurz, em longa entrevista ao Mais! do último domingo, reproduz, de forma até relativamente articulada, os velhos clichês das razões do fim iminente do capitalismo: insuficiência crônica de demanda, desemprego estrutural e o descolamento entre o capital financeiro e a "economia real".
A crise das economias asiáticas é fruto do velho excesso de endividamento, que os avanços das finanças internacionalizadas tornou ainda mais difícil de ser prontamente diagnosticado e, em grande parte, fora da alçada das autoridades monetárias nacionais. Associado ao, ainda mais velho, alastrar do pânico nos mercados financeiros sem emprestador de última instância, pode ser, de fato, extremamente perigoso. Mas não será, com toda certeza, das idéias dos profetas da catástrofe que virão as respostas.

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