São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Pobres direitos humanos

DALMO DE ABREU DALLARI

Os direitos humanos não estão entre as prioridades do governo brasileiro, mas podem até receber algum apoio, desde que isso não custe dinheiro.
Uma breve análise do comportamento do governo, não pelas palavras do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas considerando seus atos, mostra que se tem feito pouca coisa em favor dos direitos humanos, o suficiente para a tentativa de criar uma boa imagem.
Começando pelos pontos positivos: o governo publicou um Programa Nacional de Direitos Humanos, bem elaborado e cujo conteúdo merece apoio.
Entretanto, ele teve o caráter de mera declaração, não se completando com os projetos indispensáveis para que se convertesse numa prática, não se publicando também nenhuma previsão de prazos que representasse um compromisso do governo e permitisse o acompanhamento de sua implantação. Desse modo, não passou de um texto publicitário, semelhante aos que são divulgados em campanhas eleitorais.
Outra iniciativa do governo que merece elogios foi a criação, no âmbito do Ministério da Justiça, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, tendo sido indicado para secretário o advogado José Gregori, que goza de merecido respeito entre os defensores dos direitos humanos.
Entretanto, desprovido de meios, o secretário tem se esforçado e obtido êxito como negociador relativamente a reivindicações de determinados grupos, como os familiares de desaparecidos políticos, além de se empenhar na aprovação de projetos de lei visando a redução da violência policial e em outras medidas que levem à punição das infrações dos direitos humanos.
Em sentido oposto aos direitos humanos, verifica-se que o presidente da República inclui no projeto de lei orçamentária a previsão de recursos para as áreas sociais -como melhoria das condições sanitárias, educação, reforma agrária e demarcação de áreas indígenas-, mas não usa esses recursos.
Obtida a aprovação do Congresso, o Executivo interpreta esse fato como simples autorização para gastar dinheiro nessas áreas, e não como obrigação de fazê-lo. Desse modo, quem analisar a proposta de lei orçamentária terá a impressão de efetiva preocupação do governo com os direitos humanos, mas tal impressão se desfaz quando se verifica quanto foi efetivamente gasto.
Um exemplo muito expressivo dessa prática é o fato de que, até junho deste ano, o governo só havia gasto com ensino regular e erradicação do analfabetismo 3,55% do total autorizado.
Isso enquanto se divulga que existem no Brasil pelo menos 20 milhões de analfabetos em idade adulta e 2,2 milhões de crianças em idade escolar que não vão à escola.
Esse comportamento do governo é agravado por uma prática denunciada por esta Folha (10/9). Informa o jornal que o governo "retém verba para melhorar contas", esclarecendo que a parte dos impostos e contribuições que deveria ir para a área social fica com o Tesouro. Diz ainda o jornal: "O governo retém, mensalmente, uma parcela de impostos e contribuições que deveriam ser destinados ao custeio de despesas na área social para melhorar o resultado das contas públicas".
Desse modo são retidos, entre outros, recursos do Fundo Social de Emergência, que o governo pode empregar livremente, e do Fundo de Amparo ao Trabalhador, destinado por lei ao pagamento do seguro-desemprego e ao financiamento de programas de geração de empregos.
Para a demarcação de áreas indígenas, que é uma obrigação constitucional do governo federal indispensável para a própria sobrevivência física dos índios, o dado mais expressivo foi revelado pelo Instituto Socioambiental em sua publicação "Parabólicas" (edição de novembro de 1997): "O projeto de lei orçamentária (para o exercício de 1998) enviado ao Congresso, no que se refere ao orçamento da Funai (Fundação Nacional do Índio), prevê zero real para a identificação e demarcação das áreas indígenas. O único recurso disponível para esse fim será o repassado pela cooperação alemã, por meio do PPTAL, parte indígena do PP-G7".
Contrastando com essa recusa em realizar despesas com objetivos sociais, o Executivo federal dá prioridade ao pagamento de juros e encargos da dívida, deixando satisfeitos os que vivem de ágios e apresentando uma fachada mais do agrado de organismos financeiros internacionais, como o FMI.
Acentuando ainda mais esse comportamento, a Folha (27/10) noticiou que o governo, por meio do BNDES, concedeu altíssimos financiamentos para a construção de shopping centers, acrescentando que empresas estrangeiras também passaram a receber dinheiro do BNDES em volumes expressivos, inclusive as que venceram leilões de privatização.
Com base nesses dados, a única conclusão razoável é que os direitos humanos não estão entre as prioridades do governo Fernando Henrique, embora estejam entre as necessidades prioritárias de grande parte da população brasileira.

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