São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Depois do choque, cuidemos do paciente

EMERSON KAPAZ

Na administração de remédios devastadores para debelar uma infecção perigosa e oportunista, a medicina costuma atuar em dois estágios. No início, a dose é avassaladora -o chamado tratamento de choque. Com o risco maior afastado, ela sofre uma redução, tornando-se compatível com o patamar mais leve da doença e evitando maiores efeitos colaterais para o paciente.
A recente crise financeira internacional foi, possivelmente, a maior infecção oportunista sofrida pela economia mundial desde a crise do petróleo do início da década de 80. E, apesar de seus estragos, trouxe ao Brasil, como benefício, um grau maior de responsabilidade por parte de diversos setores.
Entre esses setores destaca-se o Congresso, que rapidamente se mobilizou para acelerar a tramitação das reformas. Conseguimos aprovar a reforma administrativa e quebrar a estabilidade do funcionalismo público, tarefa que se imaginava impossível, ao menos até o fim do presente mandato. Agora, estamos mais próximos da aprovação da reforma previdenciária, que talvez saia melhor do que se esperava.
Na sociedade, firmou-se a seguinte noção: se, de um lado, não é possível evitar uma correlação de interdependência com o resto do mundo, de outro, deve-se trabalhar incessantemente para reduzir a dependência do Brasil em relação ao mercado internacional.
Assim, a tarefa urgente não se resume a curar o paciente, mas a fortalecê-lo cada vez mais, para que tenha condições crescentes de se desenvolver de forma auto-sustentada. Dessa maneira, ele resistirá melhor às novas infecções oportunistas a que estará sujeito caso não se institucionalize um rigoroso controle no fluxo trilionário de capitais que trafega diariamente pelo mundo.
É nesse ponto que entra em cena a delicada questão da administração da dose do tratamento de choque.
Os juros himalaianos adotados pelo governo foram, sem sombra de dúvida, certeiros para estancar a evasão de capitais. Afastado o risco maior, registrou-se uma primeira queda, tímida, a sinalizar mais um desejo de que um dia eles se reduzam do que uma firme tendência de redução.
E aí entra um componente psicológico, talvez ignorado pela medicina econômica. Hoje, boa parte dos agentes econômicos está convencida de que os juros permanecerão elevados indefinidamente, o que levará o país a uma recessão de longo prazo. Por conta dessa convicção, há empresas que reduzem a produção e os investimentos e até antecipam demissões numa proporção muito maior do que a conjuntura pede.
Isso fica bastante evidente, por exemplo, no setor automobilístico. No momento em que se elevaram os juros, até 80% dos veículos em montagem em certas fábricas dependiam de financiamentos. Esse fenômeno, aliado ao aumento do IPI e à falta de um horizonte de queda das taxas, tem levado a decisões drásticas na linha de demissões ou reduções de jornadas de trabalho e salários, que, por sua vez, acabarão afetando o conjunto da economia.
Para evitar que esse tipo de aposta negativa contamine outros setores, o governo poderia cogitar duas medidas simultaneamente. A primeira é sinalizar uma redução mais acelerada dos juros do que a feita até agora. Isso pode ocorrer no próximo trimestre, já que, tradicionalmente, a atividade econômica sempre é contida no início do ano.
A segunda é implementar medidas que sirvam de contrapartida à elevação de custos na tomada de financiamentos. Uma delas, por exemplo, poderia ser uma redução de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Ela teria o mérito de aliviar o peso dos juros e não desestimular de vez novos investimentos produtivos, num momento em que o país precisa tanto de produção e de emprego.
Outras medidas podem ser tomadas com o objetivo de dissipar expectativas sombrias por parte de agentes econômicos. Certamente, o efeito de tais medidas terá êxito garantido na inversão dessas expectativas, se elas forem acompanhadas de uma sinalização mais firme pela redução dos juros.

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