São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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Se balança, cai

JANIO DE FREITAS

É uma agressão ao regime democrático o "balanço" que a cada final de ano é feito da atividade do Congresso, dado invariavelmente como positivo porque, valendo-se apenas da aritmética, tem sempre números altos para apresentar: 261 sessões da Câmara, 800 projetos votados e 220 aprovados, 241 sessões do Senado, e tome centenas atrás de centenas.
Atividade não é desempenho. E do desempenho da Câmara e do Senado em 97 só cabe dizer, no mínimo, que foi deplorável. E coerente, verdade: o Congresso começou o ano aprovando a reeleição, em 28 de janeiro, por método que deu agora o Prêmio Esso ao repórter Fernando Rodrigues, com revelações na Folha sobre os votos comprados para o projeto reeleitoral de Fernando Henrique.
Só aquela trapaça inaugural do Congresso já lhe comprometeria todo o resto do ano, mas não satisfez os dirigentes das duas Casas nem, muito menos, os deputados e senadores que puxam o cordão, e outras coisas, de Fernando Henrique. Feito o primeiro ato, logo emendaram outro igual, com a obstinada recusa, comandada por Fernando Henrique e outra vez patrocinada por Sérgio Motta, de quaisquer investigações sobre a corrupção do Congresso em torno da reeleição.
Dali por diante, as diferentes moedas do compra-e-vende, entre a Presidência da República e o Congresso, foram a força de maior influência em todas as aprovações desejadas ou admitidas por Fernando Henrique. E raras foram as aprovações que apenas lhe eram indiferentes. Nesse ambiente, a prática de chantagem, mesmo documentada, a fraude e outras formas de corrupção, além da chamada falta de decoro, puderam ter a certeza de que ficariam impunes como jamais aconteceu em qualquer outra legislatura. Os dirigentes e as lideranças governistas cuidaram de evitá-las com infalível aplicação.
Pormenorizar tais fatos, isso sim, justificaria a rede nacional que os presidentes do Senado e da Câmara, Antonio Carlos Magalhães e Michel Temer, pretendem convocar. O "balanço" de números é dispensável já a partir de serem contestáveis até mesmo como números.
As 261 e 241 sessões, por exemplo, são tapeadoras: sessão aberta, o que pode acontecer várias vezes no dia, quer dizer apenas que houve abertura, e não que houve trabalho próprio de uma sessão legislativa. As centenas de aprovações dão no mesmo, seja com a fraude que é o "voto de liderança", seja com as votações de pencas de projetos em uma tacada só.
O Brasil atual é a prova inesperável de que é possível alguma democracia sem Congresso. Ainda bem que nada o balança.

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