São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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Mulher da classe média adota toque de recolher

MARTA AVANCINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Vidros fechados e portas trancadas não são mais suficientes para garantir a segurança de quem circula de carro pelas ruas de São Paulo. Impelidas pela gangue da batida, mulheres estão adotando o "toque de recolher" e evitando sair de casa após as 22h.
A prática, comum na região do Capão Redondo (zona sul) por causa da forte presença dos traficantes de drogas, está sendo adotada pelas classes média e média alta na tentativa de evitar que se tornem alvo da violência urbana.
"Penso duas vezes antes de sair de casa e, se saio, é no máximo para tomar um chope depois do trabalho", diz a produtora de moda Susana Campos, 32, que mora no Itaim, um dos bairros visados pela gangue da batida. Mesmo assim, ela sempre pede para que amigos (homens, que fique claro) a acompanhem até sua casa.
Assistir a vídeos, ir a jantares -sempre na casa de amigos- são algumas alternativas encontradas para substituir o lazer na rua. "Moro na zona norte, mas mesmo assim só saio para trabalhar ou ir à casa de alguma amiga que mora aqui perto", diz a estudante de psicologia M.R., 20, filha de um alto comandante da Polícia Militar. Ela não se identificou por medo de se tornar visada por criminosos.
O lazer doméstico, porém, é uma alternativa que frustra as pessoas ao invés de satisfazê-las. Ele é adaptação e um paliativo que elas se vêem forçadas a adotar a fim de "sobreviverem" na cidade grande.
"A gente fica muito limitada. No máximo é assistir TV ou tomar um chope. Sair de casa, só quando é necessário mesmo. Nem compra de Natal fiz ainda", diz a assistente social Dirlene Peschke, 35. Para ela, a alternativa é se mudar de São Paulo. "Só não fiz isso ainda por causa do trabalho."
"É um absurdo ter de se trancar em casa para se sentir segura. A gente se arrisca o tempo todo. Não há mais o que fazer. Fico sempre muito ligada, olhando para todos os lados quando estou na rua", diz Samantha Esperanza, 25, gerente de uma loja na rua Oscar Freire.
Atividades simples e cotidianas como voltar de casa para o trabalho, se tornam verdadeiras operações que mobilizam as famílias.
A mãe de Priscila Guimarães, 18, vai buscá-la todas as noites no trabalho, embora elas morem a poucas quadras da rua Oscar Freire, onde a garota é vendedora.
O irmão da produtora editorial Salete del Guerra, 32, solteira, a espera chegar em casa à noite para abrir o portão. "É horrível ter de incomodar as pessoas. Parece que a gente virou criança de novo", afirma Salete.

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