São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 1997
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LAUTREC

PAULO VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alcoólatra, sifilítico, nanico. Descendente de condes, preferiu a vida boêmia de Paris do fim do século 19 às temporadas de caças e eventos de salões dos castelos e inúmeras propriedades dos pais na região de Toulouse.
Henry de Toulouse-Lautrec (1864-1901), pintor celebrizado por imagens dos bordéis franceses e pelos cartazes que ajudou a disseminar, tem a biografia "Toulouse-Lautrec - Uma Vida", de 94, editada no Brasil pela Paz e Terra.
Escrito pela "scholar" norte-americana Julia Frey, especializada em literatura e cultura francesa do século 19, tem como principal trunfo os excertos de mais de mil cartas inéditas trocadas entre ele, sua mãe, parentes e amigos.
A estrutura epistolar da obra não oculta a idéia principal da biógrafa, que vincula a atração de Henry pelo feio, pela "verruga" ("gosto de enfeitá-las com pêlos esparsos, fazê-las exageradas e reluzentes", escreveu quando ainda se dizia "pintor em germe").
Filho de pais primos entre si e descendente de uma linhagem que prezava o casamento dentro da própria família, Lautrec teve nanismo hereditário (como três de seus primos) e deformação óssea.
Frey estabelece uma cronologia "afetiva", pontuada pelas correspondências do pintor com sua mãe, Adele, que o supre com contribuições anuais e atende seus pedidos exóticos -como o envio de presentes aos amigos-, mas abatida pelo crescente alcoolismo e amizades "pouco recomendáveis" do filho, deixa de visitá-lo e, gradativamente, passa a rarear sua correspondência.
A autora também realça o desconforto da família com o rumo que a própria temática da obra de Lautrec toma. Seu pai, Alphonse, retratado como um aristocrata ausente de casa, que passava seu tempo em caçadas, pedia ao filho para utilizar um pseudônimo, não o sobrenome nobre. Em resposta, ele chegou a fazer anagramas com Lautrec (Tréclau, TREclau).
Sua relação com a família, que o renegava como "déclassé", ia implodindo e teve como ponto alto a queima de oito quadros promovida por seu tio Charles. Agravou-se durante sua estada num manicômio em Paris, onde não chegou sequer a ser visitado por seus pais.
O leitor brasileiro, acostumado recentemente com biografias temáticas e capítulos curtos, talvez sinta falta de um índice onomástico que auxilie a consulta futura. Frey insere interessante formação circunstancial. Ela não se furta a descrever detidamente a atmosfera de Montmartre, o bairro boêmio da zona norte de Paris, o advento de clubes como o Le Moulin Rouge e se detém por páginas em personagens como La Goulue, a dançarina mais famosa do Moulin Rouge, retratada inúmeras vezes por Lautrec.
Mas talvez nada sobressaia mais no livro que a vida social de Lautrec e sua alma zombeteira. Ele comprazia-se em atuar voluntariamente como barman, tendo servido, segundo seu relato, mais de 2.000 drinques numa festa.
Frequentava saraus intelectuais, onde dormia; ia a teatros e praças de esporte, não exatamente pelo conteúdo das peças ou dos jogos, mas atraído pelo movimento e pelas coxias.
Frey dá a Lautrec a medida de sua importância na história das artes plásticas. Acompanha seu crescente desejo pela arte litográfica e pela impressão de cartazes (para horror dos pais, que viam nisso uma atividade muito pouco nobre), pelos traços nervosos da arte japonesa e apresenta as perspectivas pouco comuns das imagens plasmadas pelo pintor.
Por fim, relativiza a imagem de que Lautrec seria um "pênis sobre pernas", na expressão de seu amigo Thadée Natanson. Sem declinar o tamanho da genitália, a autora lembra que "médicos endocrinologistas especularam que a fama de Henry se deve muito possivelmente ao simples contraste entre órgãos sexuais normais e suas pernas anormalmente curtas".

Livro: Toulouse-Lautrec - Uma Vida
Autor: Julia Frey
Lançamento: Paz e Terra
Quanto: (379 págs.)

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