São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Reforma agrária desmata a Amazônia

BERNARDINO FURTADO
ENVIADO ESPECIAL A PEIXOTO DE AZEVEDO

Alvo privilegiado do movimento ambientalista internacional, a floresta amazônica brasileira está sendo duramente atacada por um dos mais vultosos programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso: a reforma agrária.
Dados do próprio Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) mostram que 76,15% da área dos assentamentos agrários do governo FHC foram implantados na Amazônia Legal, abrigando 64,34% das famílias beneficiadas pelo programa.
Segundo estimativas do deputado Gilney Viana (PT-MT), relator da comissão especial criada pela Câmara dos Deputados para estudar o desmatamento da Amazônia, os assentamentos criados de 1995 a 1997 na região, que ocupam 5,55 milhões de hectares, estão provocando o desaparecimento de 2,27 milhões de hectares de floresta, área equivalente à do Estado de Sergipe. Ele se baseia no índice de 50% de desmatamento que a legislação brasileira autoriza para projetos agrícolas na Amazônia.
"O governo FHC repete, no aspecto ambiental, a mesma política dos governos militares de ocupação da Amazônia. A diferença é que, em vez de investir em grandes projetos agropecuários privados, agora a ocupação se dá pela implantação de assentamentos para agricultura familiar", diz Viana.
Viana argumenta que a área desmatada pode ser muito maior, uma vez que praticamente não há monitoramento ambiental dos assentamentos pelo Incra. O deputado usa outra estimativa para destacar a gravidade do problema.

Estrago Considerando o índice acumulado de desmatamento na Amazônia, da ordem de 10% da floresta existente em 1964, o que soma perto de 40 milhões de hectares, a reforma agrária contribuiu, numa hipótese conservadora, com perto de 30% desse estrago, uma vez que 25,54 milhões de hectares da região foram destinados à reforma agrária no período 64-97. Novamente Viana considera o índice de 50% de desmatamento autorizado por lei.
O ritmo da reforma agrária no governo FHC dá motivo para a preocupação com os efeitos do programa sobre o desmatamento da Amazônia: 1,85 milhão de hectares por ano de assentamentos na região. Essa taxa é quase 200% maior do a registrada nos governos militares, que levaram 20 anos para transformar em assentamentos 13,69 milhões de hectares da Amazônia, o que dá uma média de 684,5 mil hectares por ano. No período 1985-1994, que compreende os governos José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco, o índice também foi muito menor: 629,32 mil hectares por ano.
A estatística não considera cerca de 940 mil hectares de terras da Amazônia que o governo FHC desapropriou para fins de reforma agrária até 12 de novembro de 97. Isso porque as portarias de criação dos projetos de assentamento nessas áreas ainda não tinham sido publicadas naquela data.
O atraso na divulgação dos mapas de satélite que registram a evolução do desmatamento na Amazônia -os mapas referentes a 1997 e parte dos de 96 não estão disponíveis- dificulta uma avaliação mais precisa da situação nos assentamentos criados no governo Fernando Henrique Cardoso.
A Folha obteve mapas de junho de 1993 e julho de 1995 da área onde está implantado o assentamento Eldorado 1, no município de Tapurá, a cerca de 500 quilômetros ao norte de Cuiabá (MT), que é um bom exemplo de como o loteamento para reforma agrária pode provocar o desmatamento acelerado. As imagens mostram que num intervalo de menos de dois anos (o assentamento foi criado em agosto de 1993), os 34,04 mil hectares de floresta fechada praticamente desapareceram.
A concentração da reforma agrária na Amazônia tem uma lógica possível para o governo FHC. As terras são em tese mais baratas que em outras regiões e a predominância de grandes propriedades torna o processo de desapropriação um trabalho no atacado.
Um exemplo disso é o norte do Mato Grosso. A desapropriação de sete fazendas no município de São Félix do Araguaia rendeu 211.792 hectares. Em Confresa, seis propriedades, 161.246 hectares. Em Peixoto de Azevedo, três fazendas, 142.407 hectares. Em Tapurá, quatro fazendas, 128.732 hectares. Em Ribeirão Cascalheira, três fazendas, 146.363 hectares.
Somadas, essas 23 propriedades se transformaram em 599,92 mil hectares de assentamentos, área correspondente a 60% da do Pontal do Paranapanema, um dos maiores focos de conflito no país.

Pontal do Paranapanema
No Pontal, onde os agricultores liderados por José Rainha Júnior, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), pressionam pela reforma agrária há quase duas décadas com invasões de fazendas e grandes acampamentos, as propriedades têm em média 2.000 hectares cada uma.
A ausência de movimentos organizados -mais exigentes na hora de reivindicar infra-estrutura e créditos para os assentamentos- é outra característica da reforma agrária na Amazônia.
Assentamentos visitados pela Folha no sudoeste do Maranhão e no norte do Mato Grosso revelam um ritmo mais lento na concessão de créditos básicos do Procera (Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária), como habitação, custeio do plantio e de pecuária leiteira familiar. Obras simples como abertura de curvas de nível contra a erosão não tinham sido feitas em assentamentos com mais de dois anos de criação.
Nos assentamentos São José/União, Cachimbo e Padovani, que a Folha visitou, muitos agricultores disseram não saber que o projeto era do Incra e atribuíram a distribuição dos lotes à prefeitura local. É o caso do paulista Antônio Moscardo, 45, assentado no lote 45 do Travessão 2. "Foi o Leonísio Lemos que distribuiu essa gleba para nós", disse.
Lemos, prefeito de Peixoto de Azevedo de 93 a 96, tentou batizar com seu nome os dois assentamentos. Ainda há assentados que chamam o local de Leonislândia.
O nome, difícil de pronunciar, não pegou. Alguns chegam a chamar o assentamento de Disneylândia, mas Cachimbo e União vão, aos poucos, prevalecendo.

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