São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Assentamentos têm até garimpo no MT

BERNARDINO FURTADO
DO ENVIADO ESPECIAL

Garimpo, madeireira, queimadas, desmatamento nas margens de riachos. Esse é o retrato atual dos assentamentos Cachimbo, São José-União e Padovani, uma faixa quase contínua de 142 mil hectares cobertos de floresta amazônica até 1996 e situada a cerca de 150 quilômetros da Reserva Indígena do Xingu, no norte do Mato Grosso. Essas áreas foram desapropriadas em 96 e 97 pelo Incra.
O assentado de Cachimbo (uma área de 52,5 mil hectares) Antônio Flávio da Silva Pereira, 22, explica como a queimada para fazer roça costuma ficar incontrolável. "Pusemos o fogo no meu lote, mas as labaredas ficaram muito fortes, e não conseguimos apagar. O fogo acabou atingindo dois lotes vizinhos e só parou porque choveu."
No fim da tarde do último dia 11, a Folha flagrou um caminhão carregado de toras de madeira trafegando pelo travessão 1 do assentamento Cachimbo. Os travessões -nove em Cachimbo- são estradas construídas com recursos do Incra atravessando a fazenda a partir da rodovia BR-080. Depois de dois dias de procura, a Folha localizou o local onde estava sendo feito o corte da madeira. Centenas de toras estavam espalhadas por uma sucessão de trilhas e clareiras. No chão enlameado, marcas de esteira de trator e troncos arrastados. Numa clareira, uma barraca de lona vazia e uma grade de trator encostada numa árvore.
Pereira explicou a relação dos assentados com a madeireira: venda simples das árvores e troca de madeira bruta por tábuas serradas para construir os barracos. "É uma exploração. Eles pagam R$ 4 por metro cúbico de madeira bruta e R$ 40 por um caminhão cheio de toras. Na cidade, um metro cúbico é vendido dez vezes mais caro."
Segundo Pereira, como ainda não receberam o crédito de habitação do Incra, os assentados aceitam trocar 20 metros cúbicos de madeira bruta por 1,5 metro cúbico de tábuas prontas. "Eles trazem a madeira serrada da cidade e também telhas que vendem pelo preço normal da praça."
Pereira disse que os madeireiros alegam que o preço baixo pago pela madeira se deve ao alto custo do transporte no trecho quase intransitável de 70 quilômetros da BR-080 até Matupá, a cidade mais próxima do assentamento.
Pedro Ferreira, 51, assentado no travessão 2 de Cachimbo, não abriu roça no lote, que, segundo ele, tem metade dos 52 hectares tomados por pedras. Ele semeou apenas sementes de abóbora e melancia ao redor do barraco. Na parte do lote apropriada para a agricultura, Ferreira abriu há três meses um garimpo. No último domingo, dia 14, dois homens trabalhavam freneticamente para alargar, a jatos de água, uma cratera aberta com o desvio de um riacho.
Dois conjuntos com motor e calha de separação do ouro e dezenas de metros de mangueiras estavam armazenados na beira da estrada, revelando os planos de Ferreira de aumentar a produção do garimpo. Ressabiado, Ferreira disse que o garimpo era para funcionar só até o fim do mês, por "ordem da prefeitura".
Evitando falar mais sobre o garimpo, Ferreira passou a reclamar da falta de assistência oficial aos assentados. Segundo ele, a mulher ficou doente no fim de outubro, teve que ir andando a pé até as margens da BR-080 e esperar duas horas por uma carona para Matupá. "A estrada, bem-feita ou malfeita, está aí, mas cadê o carro da assistência?"
A exploração predatória dos recursos naturais é vista pelos assentados como uma prática inevitável. Francisco do Vales Martins, 34, diz que parou de tirar madeira no seu lote por causa da entrada da estação chuvosa. "Tem muita madeira boa -mogno, amesca, cedro-, mas não vai para dar para tirar agora. Até trator de esteira corre o risco de ficar atolado."
O barraco de Antônio Moscardo, do assentamento São José-União, está cercado por uma área de floresta queimada equivalente a 30 campos de futebol. Ele lamenta não ter ainda conseguido destruir toda a mata que existia no lote.
"Eu gosto de roça limpa, mas não tive tempo nem dinheiro para limpar direito o lote."

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