São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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A aposta do doutor Mendonça; Um livro pesado para uma indústria pesada; Kim Dae Gomes?; Vapt-Vupt; Professor bonzinho; Produtividade; Globalização

ELIO GASPARI

A aposta do doutor Mendonça
O secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, produziu uma audaciosa defesa da teoria da "aposta do real". Essa aposta consistiu em jogar a economia brasileira num curso de câmbio valorizado, endividamento e juros altos, supondo que com isso se ganharia tempo para reestruturar o sistema produtivo nacional. A condição necessária para que a aposta acabasse bem era a entrada regular de capitais externos no país.
Veio a crise do papelório, e o Brasil, sentado num passivo externo líquido que se aproxima dos US$ 300 bilhões, está oferecendo aos investidores estrangeiros os juros mais altos do mundo. O governo banca sua aposta cortando a merenda escolar e fabricando os maiores índices de desemprego da década. Faz isso sabendo que uma crise cambial poderá levar todo esse sacrifício ao ralo. Aposta a vida alheia.
Mendonça de Barros defende a aposta socorrendo-se do dicionário "Aurélio" e explica:
-Apostar, segundo o Aurélio, também significa "estar convencido da vitória de alguém", "competir, empenhar-se", "afirmar com segurança, asseverar, sustentar".
Entendido isso, acrescenta:
-Assumindo esse significado, qualquer política econômica, em qualquer circunstância e/ou país, é sempre uma aposta.
Não. Se o doutor Mendonça de Barros fez suas leituras de economia com a má qualidade de sua consulta a um dicionário, o real está nas mãos de gente perigosa.
Segundo o "Aurélio", "aposta" significa o seguinte:
-Ajuste entre pessoas de opiniões diversas, no qual a que não acerta deve pagar à outra algo de antemão determinado; jogo.
Por extensão, significa também desafio, porfia. Toda aposta contem um desafio, mas nem todo desafio contem uma aposta. Exemplo: Mike Tyson desafia Evander Holyfield, mas não aposta. (Se apostar, vai preso.) É o risco inerente ao jogo que faz a diferença. Tyson desafia Holyfield e confia na sua capacidade de esmurrá-lo (ou de comê-lo). Quando o doutor Mendonça aposta em Tyson, compra um risco. Associa-se a uma porfia sobre a qual não tem controle.
Mendonça de Barros brincou de ler dicionário. Dos nove significados do verbo apostar (que ele preferiu à expressão que usou, o substantivo "aposta"), pinçou dois. É óbvio que deixou de lado o primeiro, que, como se aprende no colégio, relaciona-se com a origem da palavra: "apostar: fazer aposta".
Ele tem todo o direito de achar que "apostar" e "afirmar com segurança" querem dizer a mesma coisa, mas sua vida vai ficar complicada quando disser algo assim:
-Eu aposto que me chamo José Roberto Mendonça de Barros.
Se a política de elevação dos juros e de endividamento do Tesouro era produto da convicção, é triste verificar que se cometeu um erro. As taxas de juros estão onde estão porque um dos pressupostos da política econômica (a entrada de capitais externos suficientes para financiá-la) estava errado. Nesse caso, não havendo aposta, teria havido erro puro, produto da imprudência. (Nunca é demais lembrar que o doutor Mendonça só se convenceu das vantagens da sobrevalorização do real no segundo semestre de 1995.)
Infelizmente, o que houve foi aposta mesmo. A ekipekonômica perdeu-a e agora está cobrando à galera o sustento dos gatos gordos que vivem dos juros brasileiros. O governo lhes deu um reajuste salarial de quase 100%, para ficar fazendo nada. (Com os salários dos trabalhadores do ABC paulista, FFHH não se envolve, seria populismo.)
Tentar alterar esse desempenho com brincadeiras de dicionário não fica bem. Até porque tudo o que está acontecendo a FFHH e a seus sábios é coisa velha. Bastaria que tivessem um pouco de humildade e lessem o livro "Auto-subversão", do professor Albert Hirschman, amigo d'El Rey (que lhe fez o prefácio) e mestre do ministro Pedro Malan. Referindo-se ao processo de desindustrialização sofrido pela Argentina e pelo Chile nos anos 70, quando os Mendonça de Barros da época apostavam no fluxo de capitais externos, ele ensinou:
-Somente nessas circunstâncias (de dinheiro abundante) foi possível ao Chile e à Argentina sustentar por um período prolongado a sobrevalorização de suas moedas e os resultantes déficits elevados em seus balanços de pagamento, nas contas correntes e de capital. Nesse sentido, os planejadores chilenos e argentinos tiveram muito menos autonomia do que eles próprios e seus críticos acreditavam. Em vez de serem os soberanos arquitetos de sua própria desgraça, provavelmente devem ser considerados vítimas deploráveis de uma armadilha que o sistema financeiro internacional lhes preparou.

Um livro pesado para uma indústria pesada
Está nas livrarias "De JK a FHC - A Reinvenção dos Carros", uma coletânea de 17 trabalhos de especialistas, organizada pelos professores Glauco Arbix e Mauro Zilbovicius, ambos da Universidade de São Paulo. É um brinde dos céus. Raramente aparecem livros desse gênero em linguagem tão simples (a despeito de algumas citações em inglês) e sem prosopopéias acadêmicas.
Conta friamente uma grande obra. Desde os tempos de Juscelino Kubitschek, quando a Ford achava que esse negócio de o Brasil produzir carro era besteira, até os dias de hoje, quando o empresariado pratica relações trabalhistas que parecem revelar uma disposição de chegar mais depressa ao Quarto Mundo.
Dois capítulos, ambos relacionados com a política automotiva do governo, deveriam ser lidos por quem gosta mais de raciocínios do que de gogó. Um é de Anne Caroline Posthuma, e o outro, de Marco Aurélio Bedê. Mostram como a indústria de autopeças está sendo destruída por um sistema tarifário que taxa em 70% os carros estrangeiros prontos e em 7% as importações de peças. Apertam o sapato da indústria que tem maior potencial para gerar empregos, mas perdeu 79 mil postos de trabalho entre 1989 e 1992, enquanto aumentava em 132% sua produtividade entre entre 1991 e 1996.
"Chicote para os fornecedores e cenouras para as montadoras", diz Pothuma. Segundo ela, o que há na atual política não é consequência de um erro. É a indicação de que "o governo está usando a indústria nacional de autopeças como isca para atrair novos investidores e desenvolver uma indústria montadora mais robusta".
Aviso: Trata-se de um livro que explica coisas que pouca gente conhece e a respeito das quais se dizem muitas bobagens, mas não é leitura leve.

Kim Dae Gomes?
Ciro Gomes não está morto nem calado.
Segue uma estratégia pela qual se faz ouvir nas cidades médias. Desce de manhã, faz uma ou duas palestras e passa o dia dando entrevistas a redes de rádio regionais.
Uma das últimas pesquisas do fornecedor do Planalto informa que ele tem entre 12% e 14% das preferências, contra 18% de Lula e 35% de FFHH.
O eleitorado de Ciro está maciçamente concentrado nas classes média e alta.
Estudando a série, há uma novidade. Lula tende ao imobilismo e, quando a crise aperta, cai.
(Em abril do ano passado, 61% dos eleitores coreanos achavam preferível que o veterano Kim Dae Jong se aposentasse. Agora acharam preferível elegê-lo presidente.)

Vapt-Vupt
Cena ocorrida no gabinete do presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães.
Entra um diretor da Casa e informa que decidiu não pagar a conta do tratamento médico da senadora Marina Silva (PT-AC), internada numa clínica chilena especializada em casos de envenenamento do organismo. Motivo: ela não adoeceu em viagem oficial.
ACM respondeu:
-Acho melhor o senhor descobrir uma maneira de pagar essa conta logo. Caso contrário, vai me dar o trabalho de arrumar outro diretor para o seu lugar. Ele pagará.
A conta foi paga, e a senadora já voltou ao Brasil, onde continuará o tratamento.

Professor bonzinho
Aconteceu nas provas da Duke University, nos Estados Unidos:
Dois ótimos alunos de biologia tinham exame na segunda-feira, mas decidiram passar o fim-de-semana numa cidade próxima. Foram a uma festa, perderam a hora, e, quando chegaram, a prova já tinha terminado.
Procuraram o professor, explicaram-lhe que tinham viajado para longe e na volta um dos pneus do carro furou. Pediram uma nova prova e foram atendidos.
No dia seguinte, o professor lhes entregou duas folhas com as questões. Impôs uma só condição. Que respondessem em salas separadas.
A primeira pergunta, valendo um ponto, era tão fácil que a prova seria uma barbada.
A segunda pergunta, valendo nove pontos, era a seguinte:
-Qual pneu furou?

Produtividade
A caciquia da Varig no aeroporto de Porto Alegre está tentando implantar uma nova modalidade de martírio aos passageiros. Querem fazer com que a espera na fila para receber o cartão de embarque supere a duração dos vôos.
Para o vôo 117, que pousa em São Paulo, numa viagem de 100 minutos, já conseguiram impor meia hora de fila, naqueles cercados que parecem trilha de boi em matadouro.
Isso tudo obrigando duas moças a trabalharem como galés de César. O gerente? Esteve em reunião.

Silvio Lancellotti
(53 anos, autor de "O Livro dos Molhos", com 300 receitas compiladas.)
*
-Começou a temporada das grandes comilanças. O que é que o senhor recomenda?
-No Ano Novo, até que não se come tanto. O importante são as duas refeições do Natal. A ceia e o almoço de quinta-feira. Deve-se pensar nessas duas ocasiões lembrando o que realmente são: uma oportunidade para que se reúnam a família e suas lembranças. Por que se deixam de lado as lembranças culinárias? Qual a família que não tem a sua receita de carne assada, de rosbife? Esse hábito do peru de Natal é uma pena. Leve em conta dois fatos óbvios: sempre sobra peru na travessa, e esse bicho nunca mais é servido durante o ano. Isso acontece porque, no fundo, as pessoas não gostam de comê-lo do jeito que é servido. Gostar da carne seca do peito do peru misturada com farofa é o mesmo que gostar de uma esponja capaz de secar uma piscina. Se é para recomendar, sugiro que se pense no que a família gosta, naquilo que a faz lembrar de pessoas e ocasiões queridas. O Natal é isso.
-O que se pode fazer para neutralizar o almoço da firma com chope, o jantar com caipirinha e a guerrilha do menu incerto?
-Quando você aceita tantos convites, espero que se divirta com os amigos, mas as chances de um acidente aumentam bastante.
Faça o seguinte:
Compre dez pêssegos brancos, grandes e carnudos.
Tire a casaca e corte-os em lascas grandes.
Consiga uma garrafa de vinho tinto encorpado. Pode ser um Cabernet nacional, de preferência velho. Se puder enfrentar um italiano, fique com o Corvo di Salaparuta.
Ponha as lascas de pêssego numa jarra e jogue o vinho, de maneira que ele cubra os pedaços de fruta.
Ponha na geladeira para refrescar.
Depois, sirva-se das lascas de pêssego como se fossem tira-gosto.
Quando acabarem, beba o vinho.
Esse elixir tem duas vantagens. Os pêssegos recolocam açúcar no seu organismo e ajudam a digestão. O vinho tem a vantagem de cortar a ressaca. Mas, pelo amor de Deus, só corte ressaca com vinho uma vez por ano. Esse procedimento é um dos atalhos mais curtos para o alcoolismo.
-Agora, uma receita para se defender de uma comilança inesquecível.
-Para os preparativos, antes da batalha, há a velha receita do óleo de oliva. Ponha no estômago algo como meia xícara de café de óleo de oliva. Tem de ser óleo bom, senão você estraga o dia. O óleo pode vir embebido em pedaços de pão, ou numa salada de alface. O melhor seria endívia. Esse truque retarda a absorção do álcool, protege o estômago e lubrifica a digestão.
Para depois, é boa idéia comer um sorvete de frutas, daqueles sem gordura ou cremosidade. Ponha uma cobertura de caramelo. Pode ser dessas que se compram em loja. O caramelo recupera as suas energias e o sorvete ameniza a digestão. No mais, feliz Natal e um grande 98.

Globalização
Como todo mundo sabe, as lojas Mc Donald's são o símbolo da globalização das refeições rápidas. Um pedido feito na China é igual a outro feito no Brasil.
Engano. Na loja do Mc Donald's do aeroporto de Guarulhos, às 16h15 de domingo passado, uma caixinha de seis pedaços de Mc Nuggets era vendida a R$ 2,95, mas só continha quatro pedaços de galinha frita.

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