São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sinais de final de festa

MÁRCIO POCHMANN

Um ambiente de frustração generalizada parece ter tomado conta do país logo após o lançamento do recente conjunto de medidas econômicas. Em grande medida, isso se deveu a pelo menos duas constatações que puderam ser retiradas da análise dos efeitos da crise financeira asiática sobre a economia brasileira.
A primeira constatação revela que o país, após mais de três anos de sacrifício, ainda não tem consolidado o seu processo de estabilização monetária. Apesar de taxas reduzidas de inflação, permanece a incerteza recorrente sobre até quando se manterá eficaz a estratégia antiinflacionária orientada pelo Plano Real.
Este, por sua vez, tornou tão rígida a condução da política macroeconômica (juros altos, câmbio valorizado, ajuste fiscal e abertura comercial) que inviabilizou a obtenção de maiores graus de liberdade para mais adequadamente enfrentar a crise financeira.
Por conta disso, criou-se um ambiente desfavorável à concorrência das empresas aqui instaladas, que compromete parte do parque produtivo nacional, sufoca várias cadeias de produção, desnacionaliza empresas, desestrutura ainda mais o mercado de trabalho (desemprego, desassalariamento e ocupações precárias) e fragiliza a capacidade do Estado de planejar e tornar efetivas e eficientes as políticas públicas.
Ao mesmo tempo, o abandono das medidas voltadas para o estabelecimento de uma política de rendas, que possibilitasse a conformação de um novo processo de redistribuição da renda, torna até hoje duvidosa a hipótese da plena eliminação da cultura de indexação de preços.
Tanto assim que na discussão das alternativas de desvalorização do câmbio surge, por exemplo, o questionamento sobre a possibilidade da volta dos repasses de custos. Novos mecanismos de formação de preços precisariam ter sido implementados, com maior regulação e controle do mercado de produtos e adoção de contratos coletivos (nacional, regional e local) no mercado de trabalho.
A ausência de política salarial e a passividade da política do salário mínimo, associadas à abertura comercial, ao câmbio valorizado e ao baixo crescimento econômico, asfixiam, sem interromper, os conflitos distributivos.
A segunda constatação que emerge da análise do pacote adotado pelo governo denuncia a inconsistência das afirmações sobre o ingresso do país numa fase de crescimento econômico sustentado, que possibilitaria inclusive a formação de um terceiro ciclo de plena expansão econômica.
O recente anúncio da postergação/suspensão de decisões de investimento por várias empresas corrobora os indicadores sobre o malogro do quadro econômico, que deve resultar da desaceleração profunda do nível de atividades a partir do último trimestre de 1997.
Por conta disso, o Brasil volta a repetir as políticas de "stop and go" que predominam desde o final da década de 70. Sem retomada dos investimentos, a economia termina oscilando entre um maior e menor grau de utilização da capacidade produtiva instalada.
Isso fica claro quando se observa rapidamente a performance da economia nacional dos últimos 17 anos: em 1980, foi alcançado o mais elevado nível de atividade, reduzido entre 1981 e 1983 ("stop"), recuperado entre 1984 e 1986 ("go"), mantido entre 1987 e 1989, novamente reduzido entre 1990 e 1992 ("stop"), novamente recuperado entre 1993 e 1995 ("go") e mantido até 1997.
Em 1998, a variação da renda "per capita" tem perspectiva de ser negativa, sendo possível que retorne ao nível de 1980, já que em 1996 foi apenas e tão somente 3% superior à de 1980.
Parece não haver dúvidas: o pacote econômico levará à maior desaceleração das atividades econômicas, fazendo confirmar, portanto, a trajetória dos últimos 17 anos, em que o Brasil tem marcado passo no mesmo lugar.
Apesar da frustração ocasionada pela compreensão das fragilidades dos argumentos que indicavam a consolidação da estabilização monetária com crescimento econômico sustentado, abre-se, por outro lado, uma nova realidade de fim de festa, que precisa contar com uma grande reação social para que a conta novamente não recaia sobre aqueles que tradicionalmente são chamados a dar sua cota de sacrifício. O aumento do desemprego, sem surpresa, será a expressão maior do ônus do pacote econômico para os trabalhadores.

Texto Anterior: Pires na mão; Coisa dos homens; Na liderança; O pior é agora; No papel; Ladeira abaixo; Strip-tease; Pedindo água; Excesso parlamentar; Cais seguro; Peso pesado; Nas profundezas; Vôo cego; Guerra de gigantes; Retomando a velocidade; Cardápio limitado
Próximo Texto: Voracidade insana
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.