São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Podia ser pior

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A frase é atribuída a Lúcifer. Repetida em diversas ocasiões e por milhões de motivos, o fato cientificamente provado é esse: foi o próprio Pai das Trevas quem primeiro disse que tudo podia ser pior.
Vamos às circunstâncias. Nem o mundo nem o homem haviam sido criados, Deus reinava sobre seres incorpóreos chamados "anjos". O mais belo de todos, o mais poderoso e próximo do Onipotente era justamente Lúcifer.
Não havia rodízio de poder. Sem a via eleitoral e democrática, restou ao mais belo dos anjos a opção das armas, ou seja, a revolução. Endureceu sem perder a ternura. Sabemos o que aconteceu: sem as condições objetivas da rebelião, não promoveu as alianças necessárias e foi precipitado na Geena eterna. Dizem que, então, olhando em torno, viu seus chifres, seu rabo, sua cara mefistofélica para todo o sempre. Viu também as chamas que o envolviam, chamas eternas que queimam e não iluminam. Viu seus companheiros de degredo, tudo mau-caráter.
Fez o que não havia feito antes: avaliou a situação em que se encontrava e proferiu a frase que se tornou histórica: "Podia ser pior!".
Para falar com honestidade, se eu estivesse no lugar dele não ficaria tão conformado. Acho que foi santo Agostinho quem classificou o Demônio de otimista porque tem a pretensão de fazer o homem pior do que já é.
Otimista ou pessimista, Lúcifer não chorou sobre o leite derramado. Assumiu os chifres, o rabo, as chamas eternas e os companheiros de infortúnio. Continua na dele, até hoje. Pai das Trevas e da Mentira, nunca foi acusado de Pai do Desespero. Afinal, tudo podia ser pior, até ele.
De maneira que outro dia ouvi um ministro dizer na TV que a crise das Bolsas asiáticas "podia ser pior". Não conheço o agente literário do Demônio, mas acho que ele deve tomar providências para resguardar o direito do autor da frase.

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