São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Preocupação com a casa alheia

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

É claro que cada caso é um caso. No Brasil, o ataque especulativo foi rebatido com uma brutal elevação de juros e de impostos. No Japão, o mesmo problema foi atacado com uma redução de tributos. Mais do que isso, o governo japonês está devolvendo cerca de US$ 16 bilhões de impostos já pagos pela população!
Ainda assim, muitos analistas antecipam uma débâcle da economia japonesa, arrastando o resto do mundo. Eles argumentam que o sistema bancário está minado com mais de US$ 1 trilhão de créditos podres e que, a qualquer momento, o país será forçado a vender seus títulos americanos que somam quase US$ 500 bilhões. Estaria aí o estopim da crise mundial.
Não acredito nisso. Não porque duvide dos números, mas porque duvido da capacidade dos economistas para entender e interpretar a cultura dos povos, seus valores e sua psicologia.
A capacidade de poupança dos japoneses é gigantesca. Nas famílias onde apenas o chefe trabalha, poupa-se cerca de 18% da renda. Em 44% das famílias, marido e mulher trabalham. Nesse caso, a poupança chega a 34%!
A recém-aprovada devolução de impostos visa deixar a população com mais dinheiro para gastar com vista a ativar a economia doméstica do Japão. Mas é bem provável que os japoneses vão usar uma parte desse "dinheirinho extra" para reforçar sua poupança. Isso é o que se espera da austeridade histórica daquele povo -o que contrasta com os hábitos do Brasil ou Estados Unidos.
Os japoneses são um povo que tem uma extraordinária capacidade de fazer sacrifícios. Para eles, renunciar em nome da pátria é uma conduta automática, praticada sem questionamento, e sem a necessidade de campanhas publicitárias. Até hoje, a maioria dos japoneses mora em casas de menos de 40 metros quadrados e viaja de 3 a 5 horas por dia para ir e vir do trabalho.
A sua tolerância e a alta capacidade de reagir nos momentos de crise não podem ser subestimadas. O Japão foi arrasado por dois artefatos nucleares nos anos 40 e despontou como líder mundial na década de 60. Há pouco tempo um terrível terremoto destruiu o centro de Kobe e, um ano depois, vê-se a bela cidade quase que inteiramente reconstruída.
Os traços de resistência são a marca de muitos povos da Ásia. Penso que eles vão reagir como guerreiros aguerridos em face da crise. Notem que os coreanos já começaram a inundar o mundo com automóveis que vendiam pelo dobro do preço há um mês. O mesmo vai ocorrer com os eletrônicos, máquinas, ferramentas, equipamentos, tecidos, confecções, commodities etc.
Os que estão contando com um colapso do Japão e com o caos dos asiáticos podem se surpreender no momento em que virem povos de alta renda abdicando do seu conforto para salvar empresas e sustentar suas economias. A tradição histórica e os fatores culturais têm de ser considerados para se fazer qualquer prognóstico. Para nós, restará trabalhar mais e melhor. Seria bom parar também com essa preocupação de querer antecipar o que vai acontecer na casa dos outros. Cuidar da nossa é mais urgente.

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