São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Como melhorar (muito) a saúde e a educação

ODED GRAJEW

Em todo fim de ano, o Unicef publica um relatório sobre a situação mundial da criança. Em diversos indicadores, o Brasil aparece atrás de países muito mais pobres -Peru, Filipinas, Argélia, Turquia, Cuba, Irã, Paraguai, Líbano, Costa Rica, Namíbia e vários outros.
A ONU analisa também a distribuição de renda dos países. O Brasil aparece em último lugar, como campeão mundial da desigualdade social. Em nenhum país do mundo a distância entre ricos e pobres é tão grande.
Pesquisa do IBGE sobre crianças e adolescentes constatou que 19,8 milhões de crianças brasileiras de zero a 14 anos vivem em famílias consideradas pobres -cuja renda mensal é de até meio salário mínimo (R$ 60) por pessoa. O número equivale a 40,4% da população nessa faixa etária.
Essas crianças estão sendo atendidas pelo sistema público de saúde e, quando estudam, frequentam escolas públicas. Com a saúde e a educação públicas no Brasil caindo aos pedaços e um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, elas têm muito poucas chances de escapar da pobreza.
Desse jeito, só podemos esperar que a distribuição de renda tenda a piorar (o que já acontece). Às crianças pobres restam o trabalho precoce e mal remunerado, a pobreza e a marginalidade.
Por outro lado, estudos do Banco Mundial, do BID e inúmeras outras pesquisas mostram que uma grande desigualdade de renda condena o país a ter baixos índices de crescimento.
Se quisermos melhorar a distribuição de renda e a situação das crianças, é fundamental dar à população pobre saúde e educação públicas de boa qualidade. Isso é perfeitamente possível: ambas já foram muito melhores no Brasil. As escolas públicas, disputadíssimas, ofereciam ótimo nível de ensino. Com vontade política, pode-se inverter nossa calamitosa situação social.
Mas nossos governantes também fazem parte da elite -que, na sua grande maioria, desistiu de usar serviços públicos. Eles acabaram se afastando cada vez mais da realidade. Não sentem na pele o que é ficar na fila de um hospital público, ser abandonado numa UTI, atendido com extrema precariedade e enormes riscos. Não sabem o que é ter filhos em uma escola na qual equipamentos e instalações são precaríssimos e os professores oferecem um ensino de qualidade compatível com sua formação e seus pobres salários.
Acontece que são esses governantes que decidem como são empregados os recursos públicos, motivados, na maior parte das vezes, por interesses mais próximos, imediatos e diretos.
Segundo o IBGE, embora representem 38,2% da população, crianças e adolescentes recebem só 12,4% dos investimentos sociais federais. Médicos e professores ganham pessimamente; hospitais e escolas estão em petição de miséria. Faltam recursos para treinamento de pessoal, remuneração adequada, equipamentos e material.
Faço uma proposta e uma aposta. Proponho uma lei que determine que filhos e netos de presidente e vice-presidente da República, senadores, deputados federais, governadores e vices, deputados estaduais, prefeitos e vices, vereadores, juízes dos tribunais federais, estaduais e municipais sejam atendidos exclusivamente por hospitais públicos e frequentem escolas públicas.
Aposto que, em pouco tempo, haverá vontade política para alocar muito mais recursos para a saúde e a educação públicas; o dinheiro será empregado com muito mais competência e honestidade, e as escolas e hospitais públicos voltarão a ser bons. Nenhuma medida terá impacto positivo tão grande e imediato na saúde e na educação.
Aos governantes que discordam da tese, sugiro colocar, voluntariamente, filhos e netos em escolas e hospitais públicos. Veremos o que acontecerá.
A vergonhosa desigualdade social no Brasil e a dramática situação de nossas crianças exigem vontade política para tomar medidas drásticas e imediatas. Só melhorando substancialmente os serviços públicos podemos evitar que a sociedade se deteriore cada vez mais.
Os governantes, que têm enorme responsabilidade pela situação e poder de mudar, precisam ser sensibilizados. Já que faltam sensibilidade e vontade política para ajudar os filhos dos pobres, elas aparecerão quando delas depender a vida dos próprios filhos e netos.

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