São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Aposta imprudente

ELIANA CARDOSO

Ninguém previu a crise de 1997 -simplesmente porque os modelos econômicos não projetam o momento das crises. O estopim da crise é uma súbita (portanto, imprevisível) mudança nos sentimentos dos investidores e nas condições do mercado internacional.
Mas críticos e amigos da Ásia e do Brasil apontaram insistentemente o perigo de uma crise entre 1997 e o segundo semestre de 1998, na ausência de uma correção do câmbio. Os sinais de alarme, visíveis no crescimento do déficit em conta corrente, teriam sido suficientes para motivar políticos mais prudentes a tomar medidas corretivas.
Pena que convenha aos donos da política econômica propalar que o período das vacas gordas dura para sempre e que os custos da solução dos desequilíbrios externos podem ser adiados para uma fase política mais conveniente.
Não podem. A crise demonstra que taxas de câmbio pouco flexíveis, que encorajam a tomada de recursos externos e sustentam a sobrevalorização cambial, acabam num beco sem saída.
Entre 1992 e 1995, Indonésia, Malásia e Tailândia cresceram em média 7% ao ano, com inflação baixa e aparente equilíbrio fiscal. Os desequilíbrios externos refletiam um excesso de investimentos sobre a poupança nacional.
Nos anos 90, a formação de capital na Tailândia oscilou em torno de 40% do PIB. A absorção produtiva dos fluxos de capital externo e sua intermediação transformaram-se num desafio para a política econômica. A inflação asiática, embora baixa, era maior do que nos países industrializados, e o câmbio teve uma apreciação em termos reais.
A valorização do dólar em relação ao iene também contribuiu para a perda de competitividade dos países asiáticos, já que suas taxas de câmbio estavam ancoradas ao dólar. Assim, caiu o crescimento das exportações da Coréia, Malásia e Tailândia. Enquanto isso, as instituições financeiras que tinham seus ativos em moeda nacional e seus passivos em dólares tornaram-se vulneráveis a uma desvalorização cambial.
Em janeiro de 1997, a bolha especulativa no mercado de imóveis, a perda de competitividade externa e o déficit em conta corrente começaram a pressionar o baht tailandês. Por trás da crise incipiente, havia também uma redução da liquidez internacional.
Em maio, o banco central tailandês interveio no mercado de câmbio futuro, aumentou os juros e introduziu controles sobre os fluxos de capitais. Em julho, diante do ataque especulativo, a Tailândia deixou o baht flutuar, e seu colapso colocou em dúvida a viabilidade do câmbio dos países vizinhos.
Ainda em julho, as moedas de Filipinas, Malásia e Indonésia sofreram forte desvalorização. O efeito do aumento dos juros e das desvalorizações cambiais sobre o sistema financeiro agravou a situação. O contágio se estendeu às Bolsas de Brasil, Hungria e Rússia.
Em outubro, a corrida contra o won coreano intensificou-se e a Bolsa coreana caiu, refletindo a falta de confiança na capacidade do setor bancário de rolar suas dívidas externas. Aí, as Bolsas do mundo inteiro sofreram quedas.
No Brasil, o governo respondeu ao ataque contra o real dobrando os juros e anunciando medidas fiscais contracionistas. As taxas também aumentaram na Argentina e (um pouco menos) no México, onde o peso sofreu depreciação de 7% em relação ao dólar.
Nos países industrializados, as quedas das Bolsas duraram pouco. Com exceção do Japão, eles já haviam recuperado suas perdas no começo de dezembro. Refletindo uma fuga para a qualidade, as taxas de retorno dos títulos nos mercados maduros declinaram significativamente.
O declínio dos juros no mundo industrializado explica o aumento do fluxo de capitais para os países emergentes a partir de 1990. Quando a crise mexicana explodiu, em 1994, as taxas de juros nos EUA haviam aumentado, mas voltaram a cair em 1995 e 1996.
Durante o primeiro semestre de 1997, o longo período de juros baixos parecia estar chegando ao fim, com a dramática redução do desemprego nos EUA e os sinais de que o Bundesbank começava a aumentar as taxas na Alemanha.
Mais recentemente, por causa das expectativas dos efeitos da crise asiática sobre o crescimento global, a perspectiva de aumentos das taxas de juros nos países industrializados desapareceu.
Ainda assim, persiste uma enorme incerteza sobre a profundidade e a duração da febre amarela. Em consequência, os fluxos de capitais para os países emergentes, que se expandiam a taxas espetaculares até julho de 1997, devem sofrer queda significativa em 1998. Pode-se prever um aumento dos prêmios de risco nesses países, com a expectativa de desvalorização de suas moedas.
No Brasil, a redução da liquidez internacional dificulta o financiamento do déficit em conta corrente que era projetado para 1998, até antes da crise.
A nova estratégia é reduzir esse déficit com uma contração econômica, que deve produzir um corte nos gastos do setor privado e aumentar a competitividade externa, por meio da queda dos salários provocada pelo desemprego.
Acredita-se que isso evitaria uma desvalorização súbita, que debilitaria os bancos e provocaria bancarrotas. Mas recessão e juros altos também enfraquecem o sistema bancário, e o país continua vulnerável enquanto persistir a percepção de que o real está sobrevalorizado. Será difícil responder a outro ataque com uma nova alta dos juros.
Hoje, revelam-se imprudentes a aposta na folga permanente da liquidez internacional e a recusa de corrigir o câmbio entre 1995 e 1997, quando as consequências se resumiriam apenas a uma queda mais gradual da inflação. As consequências desse erro para o emprego e o bem-estar da população serão graves no curto e no médio prazo.

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