São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Porquinho salva vidas

DEBORAH GIANNINI

Fundação produz remédio para prematuros a partir de pulmão de suínos
Os bebês que nascerem prematuros a partir do ano que vem no Brasil vão contar com um remédio simples e barato contra doenças pulmonares. A Fundação Butantan, em parceria com o Frigorífico Sadia, começa a fabricar em março uma substância não desenvolvida pelos pulmões dos prematuros, capaz de abrir os alvéolos no momento do nascimento.
Chamada de surfatante pulmonar, ela é feita a partir da substância retirada do pulmão de porcos abatidos e aplicada pela traquéia do bebê. O tratamento é único, e o efeito, imediato.
O remédio já existe, mas é importado e custa cerca de R$ 700 a dose. A grande novidade é o método econômico e simples que consegue produzir a mesma substância dez vezes mais barata.
"No Brasil, morrem 350 mil crianças prematuras por ano. Se você multiplicar R$ 700 por 350 mil vê que é inviável a aplicação do remédio. Nossa meta é que o surfatante custe R$ 70", afirma Isaías Raw, presidente da Fundação Butantan.
Para fabricar a vacina, é necessário um porco por criança. Por isso, o convênio com a Sadia, que abate 1 milhão de porcos por ano, ajuda a baratear o remédio. "A fábrica-piloto será instalada ao lado do matadouro da Sadia, que irá fornecer a matéria-prima sem interesse lucrativo. Então, não vamos ter despesas com os porcos", diz Raw.
O remédio já foi testado pela Faculdade de Medicina da USP em coelhos prematuros, retirados por cesariana e, segundo Raw, teve um bom resultado.
Criança prematura é aquela que nasce com menos de 37 semanas. Os pulmões estão completos, mas não desenvolvidos o suficiente para produzir o surfatante, substância constituída de gordura e proteínas. A função do surfatante é estabilizar e abrir os alvéolos, balõezinhos que estão fechados e, que, ao primeiro choro do recém-nascido, se abrem para que o ar entre. "Sem essa substância, os alvéolos tendem a continuar fechados. A criança apresenta desconforto para respirar e tem de fazer um grande esforço para reabrir os alvéolos pulmonares. Essa doença é comum nos prematuros e chama-se síndrome do desconforto respiratório, mais conhecida como doença pulmonar das membranas hialinas", afirma o chefe da UTI Neonatal do Hospital São Paulo, Milton Harumi Miyoshi.
Segundo ele, esses bebês necessitam com frequência de aparelhos para manter a respiração. O período crítico são as primeiras 72 horas, quando ocorrem uma série de complicações que podem levar à morte.
A substância já é usada em alguns hospitais, como o Hospital São Paulo, na Vila Clementino. O recém-nascido J.S.F. nasceu no hospital dia 6 de novembro com 690 g e sobreviveu graças ao surfatante. Ele tinha a síndrome do desconforto respiratório. Agora, com mais de um mês de vida e 1,02 kg, ele vai permanecer na UTI até alcançar 2 kg. Já respira sozinho e toma leite para ganhar 20 g por dia. A previsão é que volte para casa em um mês.
"O remédio reduz em 50% a mortalidade por essa doença", diz a neonatologista Ana Lucia Goulart, vice-chefe da pediatria neonatal do Hospital São Paulo.
O bebê que apresentou essa doença terá mais chance de desenvolver doenças pulmonares crônicas, como a displasia broncopulmonar. Os sintomas são parecidos com a bronquite, como chiado no peito e falta de ar.

Texto Anterior: Convite ao mergulho
Próximo Texto: Como uma onda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.