São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 1997
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O futuro parece que demora

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Aos 17, 18 anos, a única coisa que eu fazia era aguardar o futuro, mas sem qualquer consciência de que o que eu fazia era isso: aguardar que o futuro surgisse num passe de mágica, irrompesse da nuvem nublada em que parecia envolto.
É claro que eu não aguardava parada. Fazia coisas. É nessa idade que se espera de você que você faça coisas. Mas, aos 17 anos, a gente é bastante cego -cegos principalmente para nós mesmos.
Hoje, 20 anos depois, não sei se eu seria mais feliz se fosse uma médica. Talvez fosse menos solitária, tivesse a ilusão de estar mais acompanhada e "ajudando pessoas".
Acho bom conhecer os dramas pessoais de cada um, observar, comparar, aprender coisas da vida com os dramas dos outros. Sempre gostei desse lugar de quem observa em silêncio, analisa e depois diagnostica. Desse ponto de vista, escrever é um pouco como diagnosticar, fazer o papel do médico.
Eu queria ser médica -e também queria ser atleta-, mas não fui porque não podia estudar em período integral, como exigem as faculdades de medicina. Comecei a trabalhar aos 15 anos. Trabalhava meio período, de tarde, e estudava de manhã.
O vestibular para a faculdade de letras veio em parte por conta disso, de ser uma opção viável para quem precisava trabalhar. Mas veio principalmente por influência de uma amiga mais velha, que já cursava letras na Universidade de São Paulo.
Essa garota foi uma espécie de guia na minha decisão. Estudávamos inglês juntas numa escola particular. De algum modo ela percebeu minha habilidade para escrever e falar línguas e me incentivou.
Desde os 12 anos eu escrevia rascunhos de ficção. Desde sempre tinha sido excelente aluna de português. Mas nada disso, aos 17, desenhava uma imagem clara de mim mesma. Nunca tinha pensado em escrever como uma profissão.
Como fui uma adolescente infeliz por diversos motivos, o conflito da escolha da carreira nunca foi questão de sobrevivência para mim. Naquela época, um pensamento do escritor Hermann Hesse, meu preferido de então, me acalmava:
"Durante esses dias andei como cego de um lado para outro. A tempestade rugia dentro de mim. Cada um de meus passos era um perigo. Diante de mim só via a treva abissal em que se perdiam todos os caminhos antes empreendidos.(...)
Meu período escolar havia terminado. Meu pai achou melhor que eu fizesse uma viagem durante as férias e ingressasse logo após numa universidade. Como não soubesse por que faculdade decidir-me, fiz-me matricular num curso de filosofia para experimentar. Qualquer outra disciplina teria sido para mim a mesma coisa." ("Demian")
Aos 17 anos, o futuro parece que demora. Não passar no vestibular, ou não seguir a carreira que se pensou era de sua vocação, é de uma relatividade impossível de se enxergar senão 20 anos depois, infelizmente.
Vocação e destino são coisas misturadas, uma não existirá sem o outro, independentemente de qualquer de nossas escolhas. Um dia você olha, e o futuro já chegou -quer dizer, você descobre que ele não existe. E que o presente não passa de um periclitante talvez.

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