São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

John Dos Passos foi devorado pelo enigma

ADRIANO SCHWARTZ
DO ENVIADO ESPECIAL À ILHA DE PÁSCOA

Já se disse, em algum lugar, que alguns acontecimentos da infância são marcantes por toda a vida. É mais ou menos o que aconteceu com o escritor norte-americano John Dos Passos (1896-1970) em relação à ilha de Páscoa.
A experiência foi inesquecível: "Quando, um tempo depois, procurei a palavra enigma no dicionário, a imagem da estátua da ilha de Páscoa se interpôs entre a página e mim. (...) Era inevitável que, quando uma oportunidade conveniente surgisse, eu fosse até lá".
O resultado da viagem -feita já no final de sua vida- e das pesquisas sobre a ilha foram registrados em "Ilha de Páscoa - Ilha de Enigmas" (a edição citada aqui, de 1971, é da Doubleday, de Nova York, mas o livro está esgotado há muitos anos).
Intrigado com os mistérios que cercam a história da ilha, o autor da trilogia "USA" estruturou o texto intercalando comentários seus e trechos de diários e relatos de viagem de navegantes que estiveram no local, como o inglês James Cook, que por lá passou em 1774, ou o francês La Perouse.
Assim, pode-se, por exemplo, acompanhar a reação do holandês Jacob Rogeveen, o primeiro europeu a chegar à ilha, diante das "gigantescas estátuas enegrecidas": "Sobre o tipo de culto feito por essas pessoas, não pudemos adquirir nenhum conhecimento detalhado, devido ao pouco tempo que ficamos entre eles; apenas pudemos perceber fogueiras acesas diante de estátuas notavelmente altas construídas por eles...".
Na parte final da obra, Dos Passos trata principalmente de lendas e da ainda não decifrada escrita -o rongo-rongo- encontrada em tábuas na ilha. Fala, também, de sua própria estada no local e da hospitalidade com que foi recebido. Ele não descobre, de fato, nenhum dos enigmas, mas encerra o texto com uma certeza: "Seja lá o que foram os pascoenses, eles não foram selvagens ignorantes".
Apesar de muito interessante para qualquer um que queira obter informações, "Ilha de Enigmas" não cumpre uma função fundamental. Pode parecer paradoxal, mas é a ficção que assegura um lugar no imaginário das pessoas. A ilha de Páscoa não é "apenas" os moai e seus mistérios, por isso, ainda está à espera de um grande romance.

Texto Anterior: Cinema projeta hábitos nativos
Próximo Texto: Comida típica "brota" do chão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.