São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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A indústria da análise

LUÍS NASSIF

Festas de fim de ano aumentam a demanda por castanhas, perus, presentes e sessões de análise. De todos esses produtos, é na análise que têm ocorrido os maiores desrespeitos aos direitos dos consumidores.
Globalização, crise e mudança de paradigmas transformaram a instabilidade em dado permanente na vida da família moderna. Esse tem sido o ambiente ideal para a proliferação da indústria da análise, das mais rentáveis, para seus praticantes, das mais nefastas, para os consumidores.
Não existem estatísticas sobre o tema. Da parte das vítimas, há um pudor compreensível em denunciar essas práticas, pelo receio de revelar sua própria intimidade. Mas em qualquer ambiente, de classes A e B, basta alguém expor suas agruras para frequentemente se encontrar mais pessoas na mesma condição, de vítimas de analistas inescrupulosos.
Que não se perca pela generalização. Há um contingente apreciável de analistas sérios. Mas também não se debite esse comércio a esse amálgama de práticas não convencionais, aparentadas do placebo -o falso remédio, utilizado para enganar hipocondríacos, sem propriedades terapêuticas, mas também sem contra-indicações. A manipulação da análise é praticada por alguns dos ícones da profissão. E a categoria, como um todo, parece incapaz de sair da própria concha e deflagrar uma discussão aberta e honesta, capaz de inibir a ação predatória dos maus profissionais.
Fatores de descontrole
Concorre para a proliferação dessa indústria uma soma de fatores negativos.
O primeiro, é a falta de informações públicas sobre o tema. Na maior parte das vezes, o paciente não tem problemas neurológicos, mas é vítima de meros desajustes pessoais ou familiares, cuja solução depende de bom senso.
No entanto, muitos analistas manipulam um pretenso conhecimento especialista para dominar seus pacientes, impor seus conceitos de "normalidade" e instalar, neles, sua linha de montagem. Não lhes interessa a autonomia dos pacientes, mas a perpetuação da dependência.
Note-se que essa ação vai ser desenvolvida sobre pessoas naturalmente fragilizadas. Sem informações sobre o tema, o paciente acaba se convertendo em um joguete, julgando que a orientação -por mais esdrúxula que seja, por mais que fira o bom senso- obedece a critérios científicos.
Em muitos casos o analista acirra conscientemente os conflitos familiares, tornando a situação mais frágil ainda, para poder ampliar o controle sobre o paciente e a demanda por serviços.
Controles
A questão é que não existem formas eficientes de controle sobre essa atividade, nem definição de procedimentos capazes minimamente de estabelecer parâmetros de atuação, nem se sabe de uma atuação mais eficaz de associações e órgãos de classe para inibir a ação predatória desses profissionais.
É possível que, para um mesmo caso, um analista prescreva uma sessão por dia e outro, mais consciencioso, sessões quinzenais. Em alguns casos, analistas trabalham conscientemente a desagregação familiar, manipulando pessoas com a postura de um deus "ex-machina".
Em um processo recente de separação, casal meu conhecido, cuja separação foi acelerada pelo conflito que se instalou na família, induzido pela analista, foi submetido à seguinte bateria de sessões "preventivas" semanais:
1) duas sessões semanais com a psiquiatra de família, ao custo de R$ 240,00 cada;
2) duas sessões semanais com o marido da psiquiatra, terapeuta de casal, ao mesmo custo;
3) uma sessão semanal com a psiquiatra de família e a psicopedagoga de uma das filhas, para que a psiquiatra pudesse "traduzir" as recomendações da pedagoga em relação à filha do casal;
4) uma sessão individual da esposa com a psiquiatra de família;
5) uma sessão individual do marido com o terapeuta de casal;
6) duas sessões semanais da filha com uma analista pessoal;
7) uma sessão semanal da filha com a psicopedagoga.
Todos os profissionais envolvidos passavam pela indicação e pela mediação da analista.
Quando a esposa tentou se afastar das análises individuais, recebeu telefonemas da analista induzindo-a a prosseguir, para "fazer seu marido voltar humilhado para casa". Ao mesmo tempo, a analista combinava com o marido uma maneira de acelerar a separação, "para evitar a ação de advogados".
Está na hora de se abrir uma discussão ampla e sem preconceitos sobre o tema.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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