São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Tudo bem no front agrícola?

MANOEL FELIX CINTRA NETO

A agricultura começa a se mexer. Após anos amparada por uma política de financiamento e preços mínimos ineficiente, que onerava o Estado, mas não garantia uma renda digna ao agricultor, começa a mostrar sua força.
Os resultados que estão sendo divulgados são alentadores. A agricultura brasileira sofreu séria crise em 1994. Hoje, começa a superá-la, a sair do estado de coma, e volta a ter consciência. Não teve alta, mas dá sinais de vida.
O ano passado terminou, por exemplo, com uma renda agrícola estimada em R$ 15 bilhões e teve produção da ordem de 80 milhões de toneladas. Nada mal para quem há três anos esteve à beira da falência. São números expressivos que mostram a força do setor, a capacidade do "agribusiness" brasileiro de se adaptar e reagir a situações adversas.
Não foi fácil chegar até aqui. Esses resultados foram obtidos com grande dificuldade. Muitas empresas e agricultores foram obrigados a abandonar suas atividades. A transição para uma agricultura moderna e produtiva exige esforços e sacrifícios.
Mesmo com o grande surto industrial brasileiro, a agricultura continua sendo uma peça básica no plano de estabilização econômica, no controle da inflação e no equilíbrio das contas externas, um desafio que o governo não conseguiu superar em 1996 e continuará enfrentando ainda neste ano.
Aí estamos com um déficit da balança comercial. A abertura da economia, hoje irreversível, integra o projeto de modernização nacional. Mas é um processo delicado, que gera desequilíbrio e exige aumento das exportações.
A agricultura, mesmo castigada, teve um papel relevante. Basta lembrar que o déficit da balança comercial de mais de US$ 5 bilhões em 1996 poderia ser mais acentuado caso não houvesse o superávit de US$ 10 bilhões proporcionado pelas exportações dos produtos agrícolas. E esse superávit teria sido ainda maior. Bastaria, para tanto, que fosse reduzido o "custo Brasil", o que foi feito apenas em parte com a isenção do ICMS, e tivéssemos um eficiente sistema de financiamento, comercialização e cobertura de preços.
Um país com enorme potencial agrícola precisa de mecanismos modernos de proteção de preços para competir em condições de igualdade com outros que já os utilizam há muito tempo. Nos EUA, por exemplo, grande parte do financiamento rural é atrelado a operações de proteção no mercado futuro.
Temos de reconhecer que, nos últimos dois anos, houve progressos no Brasil. O setor agrícola depende cada vez menos do governo. Os recursos externos estão vindo. Em 1996, foram injetados no "agribusiness" brasileiro mais de US$ 5 bilhões, o que, de uma maneira ou de outra, acabou irrigando o campo.
Porém, quando o assunto é garantia de preços, o Brasil ainda engatinha. A BM&F, em seus 11 anos de vida, tem trabalhado para a formação de um mercado futuro agrícola. Um mercado que dê ao produtor a possibilidade de vender a safra que só colherá no futuro, eliminando o risco da oscilação de preços. Um mercado que dê à sociedade a transparência na formação de preços e diminua cada vez mais a enorme disparidade entre o que o produtor ganha e o consumidor paga.
Apesar de estarmos entre os três maiores produtores de 27 commodities agrícolas, a formação dos preços desses produtos não é feita aqui, mas lá fora, em mais de 40 Bolsas de Futuros. Apenas uma pequena parcela dos US$ 19 bilhões negociados diariamente no pregão da BM&F, a quarta maior Bolsa do mundo, refere-se a produtos agrícolas.
Há duas razões para isso. A primeira, parcialmente vencida, é o descontrole inflacionário. A segunda, e mais importante, é a falta de parceiros que possam comprar o risco do agricultor. Por isso, a BM&F trabalha na direção de trazer o investidor estrangeiro para seus mercados de café, soja, açúcar, milho, boi gordo e algodão.
Tudo leva a crer que em 1997 a agricultura brasileira deverá ter mais um ano tranquilo. Os estoques mundiais de grãos ainda não foram totalmente repostos, os recursos para o financiamento estão surgindo. O novo mecanismo de garantia de preço mínimo deverá funcionar satisfatoriamente, gerando, inclusive, economia de R$ 2 bilhões para o governo.
Viveremos um ano bom, graças aos fatores, por enquanto favoráveis, do mercado internacional. Não podemos, porém, depender eternamente apenas dele. Este é o momento de aproveitar a correnteza e remar em direção a uma agricultura moderna e forte, que necessita, decididamente, de um mercado de futuros vigoroso.

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