São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997 |
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Atração da cadeira
OSIRIS LOPES FILHO Um conhecido, especialista em matéria de poder, especialmente o burocrático, às vezes pontificava -poder é bunda na cadeira.Essa frase sintética expressava muitos significados. O básico era a necessidade de presença permanente no cargo ou na função. Por mais despreparado que fosse o titular do poder, a sua presença permanente tornava-o interlocutor necessário aos que tivessem alguma necessidade de a ele se dirigir. Além disso, evitava que houvesse espaço vazio a ser ocupado por outrem. Mas sua afirmativa tinha também um caráter moralista. No fundo, era uma crítica aos sibaritas que, uma vez nomeados para postos importantes, passavam o tempo todo a viajar, em exibicionismo, ou a amealhar diárias, num turismo desenfreado. O significado da afirmativa não era apenas estático. Ou seja, não era só colocar o traseiro na cadeira e tudo estaria resolvido. Não era isso. O fato é que a presença obrigaria ao exercício, em face dos estímulos recebidos a exigirem respostas. As nádegas não têm apenas essa função estática de ocupação de espaços. Já são um símbolo estético da mulher brasileira. Devo reconhecer o efeito perturbador das nádegas. Estava a falar de poder e logo após passei a pensar no nosso verão, com as nádegas voluptuosas desfilando pelas praias. Desviei-me. O Paulo Batista Nogueira Júnior, na última quinta-feira na Folha, falava da obsessão. E eu pensava na última obsessão de permanência do presidente FHC, cujo início de atendimento começou com a aprovação da emenda de reeleição pela Câmara, quando mais uma vez o apoio da família Carneiro foi decisivo. O nosso presidente gosta de sentar-se no poder. Tempos atrás, ajeitou-as para fotografias precipitadas na cadeira de prefeito de São Paulo. Foi um sentar-se passageiro. Jânio Quadros ganhou a eleição e, munido de desinfetantes, deixou-se fotografar a limpar a cadeira de prefeito, onde -disse- nádegas indevidas tinham repousado. Agora FHC pretende acomodar-se por mais seis anos na curul presidencial, sem interrupção. Apesar de ter sido eliminada a cláusula que estabelecia a necessidade de desincompatibilização, alguns áulicos -com base na interpretação literal do artigo 14, parágrafo 6º, da Constituição- consideram que ele poderá se candidatar à Presidência sem prévio afastamento. Nesse Brasil tropical, em que quase tudo é permitido, sem que haja pecados, reeleição significa cada vez mais prorrogação. Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de direito tributário na Universidade de Brasília (UnB). Texto Anterior: Tudo bem no front agrícola? Próximo Texto: Regras em telecom ainda são incertas Índice |
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