São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Rodovia 'revelou' índios

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A saga recente dos Arara começou com as primeiras picadas no mato feitas na região dos Arara em 1969 durante a construção da rodovia Transamazônica.
Índios começaram a aparecer, apesar de julgados extintos, conforme a "bíblia" dos etnólogos, "Os Índios e a Civilização", do antropólogo-senador Darcy Ribeiro.
O engano do senador foi levado a sério pelo governo militar. O trecho da rodovia que passava pela área dos Arara, entre Altamira e Itaituba (PA), foi entregue a uma cooperativa gaúcha, que para lá levou 2.000 famílias de colonos. A área Arara foi cortada ao meio.
Em meados da década de 60, calculava-se que havia cerca de 350 Arara. O primeiro grupo contatado em 1981 tinha 59 pessoas. Hoje eles são pouco mais de 120 no total. Até 1979, nem a Funai sabia dizer que índios que eram esses.
Localizar a área onde os Arara viviam no passado por registros históricos é difícil. "Arara podia ter sido um termo mais genérico, que incluía tribos que não são a mesma", afirma Teixeira-Pinto.
Os Arara usam em certas cerimônias uma peruca de palha. Por isso, houve relatos de viajantes que disseram ter visto "índios loiros" na Amazônia.
Os "brancos" começaram descobrindo nas trilhas da mata sinais claros de que os índios estavam irritados, coisas como jabutis estraçalhados ou pimenta do reino misturada com sangue.
Quatro "brancos" foram capturados, mortos e esquartejados, três em 76 e mais um em 77, todos do mesmo modo, com os corpos desmembrados de acordo com linhas invisíveis e específicas no tronco e nos membros. E as cabeças tinham desaparecido. Os antropólogos chamam isso de "coleção de troféus humanos".
Os Arara ganharam fama de "cortadores de cabeça" que impediam o progresso. "Até a atração, essa era a imagem dos Arara na mídia", diz o pesquisador.
Ele foi recrutado pela Funai em 1994 para ajudar na delimitação do território da tribo Arara. Passou 45 dias no mato descobrindo onde viviam os índios, e que partes da floresta eram essenciais a eles.
Foi possível ver que em plena área indígena havia exploração clandestina de madeira (um município da região chegou a criar um "distrito" ilegal na área Arara).
A recente liberalidade do Ministério da Justiça em permitir contestação das demarcações de terras indígenas, aliada a um primeiro relatório incompetente sobre os Arara feito por uma funcionária da Funai que nem sequer falava sua língua, resultou em transtornos jurídicos para a tribo.
Teixeira-Pinto procurou delimitar em seu relatório uma área racional para os índios, que não atrapalhasse a colonização "branca" ao longo da Transamazônica, mas que permitisse a eles uma área de caça capaz de sustentar sua população. A decisão final está ainda na Justiça. Como em todo o país, o futuro dos índios é complicado. Há colonos que podem ser prejudicados. "É a briga do pobre com o desgraçado", diz o antropólogo.
"Ninguém quer manter povos em redomas, nem inviabilizar economicamente a região", diz ele; "mas eles precisam ter condições para poder escolher qual caminho seguir, e qual jeito eles querem viver."
(RBN)

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