São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Invasão asiática cria a 'Argentchina'

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

A parte mais fácil foi trocar o chá de jasmim pela erva-mate e adaptar seus nomes Lee, Mon e Kim pelos foneticamente parecidos Luís, Ramón e Joaquín.
Hoje, entre imigrantes e descendentes, são 40 mil chineses e 35 mil sul-coreanos na Argentina, ultrapassando a comunidade japonesa, estabelecida desde 1920 e que conta atualmente com 32 mil pessoas.
Pelas ruas de Buenos Aires, são chamados invariavelmente de "chinos" (chineses), não importando se vieram de Seul, Taipé ou Hong Kong. Eles preferem a denominação de "argentchinos".
Os sul-coreanos chegaram durante a segunda metade dos anos 80, depois que o então presidente Raúl Alfonsín assinou a nova lei de imigração -a vinda deles diminuiu depois da hiperinflação de 1989.
Segundo a lei, uma família estrangeira ganhava visto de permanência se depositasse US$ 30 mil por seis meses na agência nova-iorquina do Banco de la Nación. Exigia-se, porém, que nos dois primeiros anos os imigrantes se estabelecessem fora da capital.
Os chineses se aproveitaram dessa regulamentação e entraram em maior número no país na década de 90, usando muitas vezes a Argentina como trampolim para seu destino final, EUA ou Canadá.
'Go Korea'
"Os sul-coreanos nos EUA têm problemas e vivem isolados, como se fossem cidadãos de segunda classe. Aqui, isso não acontece", disse Deuk Woo Park, cônsul do país em Buenos Aires.
Mesmo assim, os atritos com os portenhos surgem principalmente nas escolas e no comércio.
Há dois anos, apareceram pichações com escritos "Go Korea" no tradicional Colégio Nacional de Buenos Aires, onde 10% dos alunos são de origem sul-coreana.
Na mesma escola havia uma professora que, com dificuldade de pronunciar os nomes, batizou seus cinco alunos orientais de "Chang, Cheng, Ching, Chong e Chung". "São casos isolados. Em geral, o argentino não é racista", afirma Kim Soon Teck, 30, que fez o segundo grau na Argentina.
Em "Koreatown", o bairro da coletividade bem no coração da cidade, há conflito com os vizinhos.
"Eles queriam colocar uns cartazes nas ruas que diziam 'Nova Seul'. Nós os avisamos que derrubaríamos tudo. Isso aqui continua sendo Buenos Aires", afirma a comerciante Nelda Ortiz.
Mesmo assim, muitos, principalmente os jovens, não pensam em voltar para a Coréia do Sul.
"Fui de férias para Seul, e minhas amigas de lá ficaram com inveja porque eu moro sozinha e me livrei das ordens de meu pai", afirma Kim Chun-Ryoung, 23, estudante de jornalismo.
"Na Coréia, o tempo te persegue. Não há como relaxar", afirma o comerciante Min Ki Cho.
Rodízio
Os chineses que permanecem na Argentina apostam suas economias na área da alimentação.
Atualmente, são donos de 400 mercearias e 200 restaurantes de rodízio na capital do país -a maioria concentrada no bairro de Belgrano, norte de Buenos Aires.
Seus restaurantes recebem geralmente o nome de "tenedor libre" (garfo livre, em português).
"Nosso segredo é a austeridade. Durante meses, dormi em um sótão para economizar o dinheiro que trouxe da China", afirma Carlos Chang, que deixou seu emprego de contador para trabalhar 16 horas por dia em seu armazém.
Como Chang, muitos encostaram seus diplomas universitários para trabalhar em um balcão. Os chineses também fazem dinheiro exportando erva-mate. Em Taiwan, um quilo chega a US$ 25.
Primeira imigração
Em 1880, a Argentina pacificou seus conflitos e iniciou uma campanha pelo povoamento do país por meio da imigração européia.
A idéia era trazer colonos de origem anglo-saxã, para que o país tivesse um modelo de sociedade e desenvolvimento similar ao dos EUA. Entre 1880 a 1930, entraram no país anualmente por volta de 100 mil imigrantes.
Eram famílias inteiras que chegavam em barcos que haviam partido de portos como Gênova, Vigo e Odessa. Mas, à exceção de algum colono irlandês ou galês, a imigração anglo-saxã se frustrou.
Por outro lado, a Argentina recebeu milhares de italianos, espanhóis, judeus e sírios.
A quantidade de imigrantes também foi menor que a planejada: esperava-se que o país tivesse uma população de 35 milhões em 1900, um número maior até que os atuais 33 milhões de argentinos.
A última tentativa de atração de imigrantes se deu no início dos anos 90. O objetivo era atrair populações do Leste Europeu e Rússia, após a queda dos regimes socialistas. Não houve sucesso.

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