São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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O SOM CARIOCA DOS PAULISTAS

GABRIELA MICHELOTTI; DEBORAH GIANNINI

Dos morros do Rio de Janeiro, Martinho da Vila, com 1,2 milhão de discos vendidos em 96, e Sandra de Sá, com CD recém-lançado, chegam aos bares da moda em São Paulo e conquistam os jovens da zona sul.
POR GABRIELA MICHELOTTI E DEBORAH GIANNINI
FOTO ANA OTTONI
São Paulo redescobriu o samba e o funk dos morros do Rio de Janeiro. Martinho da Vila e Sandra de Sá se livraram do rótulo de "brega" e agora viraram moda em "festas da zona sul".
Negros e cariocas, com longa carreira estável, mas sem grandes vôos, Martinho e Sandra lideram a onda de cantores renascidos neste verão. O fenômeno lembra o que ocorreu no início da década com Jorge Ben Jor e Tim Maia.
Em São Paulo, os dois passaram das ondas AM para as FM, conquistaram os jovens e entraram para a trilha sonora dos bares do Itaim e Vila Madalena.
O sucesso de Martinho é numericamente mais estrondoso. O tradicional sambista da União de Vila Isabel conseguiu com seu último LP, "Tá Delícia, Tá Gostoso", vender 1,2 milhão de discos, o que lhe garantiu seu primeiro disco de diamante, em 29 anos de carreira.
Passa a integrar o seleto grupo dos que venderam mais de 1 milhão em 96 -só perde para Skank, É o Tchan e Roberto Carlos.
"Devagar, Devagarinho", "Mulheres" e "Tá Delícia, Tá Gostoso" embalam as sextas-feiras no bar Merlin, no Itaim. "Tocamos bastante porque tem muita aceitação entre os jovens", diz Nilson Alexandre Correia, dono do bar.
Fã do compositor, a estudante do Rio Branco Sílvia Ackerman, 17, diz que se mantém fiel, apesar de ser rotulada de brega. "Gosto de Martinho, Jorge Ben Jor, Tim Maia e Fernanda Abreu."
A volta do samba
A turnê do novo disco, que já passou por 16 Estados e Angola, termina com shows no Tom Brasil hoje e no Metropolitan, no Rio, amanhã e quarta-feira.
"Sempre que surgem novas ondas, o samba recua um pouco. Depois volta com mais força", refere-se Martinho a seu recente sucesso.
Com estrofes como "você é fêmea no cio/ deixa seu macho dengoso/ quando diz no meu ouvido/ tá delícia, tá gostoso", o cantor chegou a ser comparado a Wando. "Dizem que apelei para o popular, mas isso é coisa de crítico que não sabe ouvir."
A carreira de 28 discos de Martinho, 59, começou no terceiro festival da Record. "Foi por acaso, eu não ia cantar." No ano seguinte, Martinho lançava seu primeiro disco -um sucesso.
"Eu relancei o samba. Foi como se surgisse o Raça Negra sem existir mais nada, nenhum outro grupo de samba."
O disco estourou primeiro em São Paulo, para depois ficar conhecido no Rio. A fama foi um espanto para o então sargento do Exército, que pretendia ser militar para o resto da vida.
Os sambas-enredos da União de Vila Isabel, que celebrizaram Martinho, começaram a ser feitos em 1968.
A paixão pela escola ficou tão forte que já dura 30 carnavais. Neste ano, depois de 18 sambas-enredos, Martinho quase deixou a escola.
"O enredo 'Não Deixe o Samba Morrer' fez com que eu pensasse em um samba bem tradicional, com uma velocidade mais lenta, diferente do que vem sendo feito hoje pelas escolas do Rio."
A diretoria da escola não gostou e resolveu fazer um desfile mais acelerado. "Fiquei zangado, disse que saía, mas, começa a chegar o Carnaval, todo mundo volta atrás."
No ano passado, Martinho conseguiu realizar um de seus maiores sonhos: montou seu próprio bar, o "Botequim do Martinho", em Vila Isabel, claro.
A administração deu certo, e Martinho recebeu propostas para negociar franquia em outros Estados. "Ainda está no começo. Preciso pensar com calma."
Funkeira
Não tão fiel a um só ritmo, Sandra de Sá já foi chamada de funkeira, lady do soul, romântica e brega. Seu novo disco, "A Lua Sabe Quem Eu Sou", que chegou às lojas em janeiro, tem um pouco de tudo isso.
Com menos de um mês nas lojas, as músicas "Sol de Verão" e "Sozinha" animam as tardes da rua Augusta, entre os jovens que ficam em frente à sorveteria Sotto Zero, e as noites nos bares Infarta Madalena e Dolores Dolores, na zona oeste.
"Eu não gostava de Sandra de Sá. Quando começou a tocar na rádio, adorei. Vou comprar o novo disco", afirma a professora Renata Ferreira, que dançava ao som de Sandra de Sá no Dolores Dolores na semana passada.
"Soul de Verão", versão em português de "Fame", é séria candidata a número um das paradas. A Rider, marca de chinelos da Grendene, convidou Sandra a gravar a música para a nova propaganda dos chinelos.
"Como uma Onda no Mar", "Brasil Pandeiro" e "Descobridor dos Sete Mares", ex-jingles da marca, revitalizaram as carreiras de Tim Maia, Baby do Brasil (ex-Baby Consuelo) e Lulu Santos, respectivamente.
De orelha em pé
Sandra também pretende acabar de vez com todos os rótulos no novo disco.
"Não gosto da palavra estilo. Esse negócio de dizer que eu mudo do funk para o soul, para o brega, é onda. Eu sempre trabalhei com vários ritmos."
Segundo ela, esse ecletismo vem de suas influências. "Sempre ouvi de tudo, de Jamelão a Stevie Wonder."
A cantora surgiu em 1980, nos bailes funks do Rio, depois de um curso de psicologia abandonado no último ano.
"Sempre quis ser psicóloga. Gostava de música porque minha família é de músicos. Comecei em festivais universitários, mas nunca me passou pela cabeça fazer isso profissionalmente."
Em 1982, Sandra ficou conhecida no país com seu primeiro disco, "Demônio Colorido". Foi quando se transformou em uma representante da música negra brasileira mais internacionalizada, com ritmos como soul e funk.
Na época, Sandra foi a primeira cantora negra do país a abandonar o samba tradicional e tornou-se uma espécie de sucessora de Tim Maia, que já vinha fazendo essa mistura havia alguns anos.
Em 1986, lançou seu maior sucesso de vendagem, "Sandra". A partir de então, sua carreira teve altos e baixos.
Passou por brigas com sua empresária, comprou a parte dela na sociedade e ficou endividada. Para melhorar o astral, mudou de nome, acrescentando o "de" entre Sandra e Sá.
"As pessoas falam que mudei para fazer mais sucesso, ganhar mais. Não foi bem isso, foi para dar mais energia, para me encontrar espiritualmente."
A mudança não ajudou tanto. "Chegou uma hora em que eu queria mais, sabia que podia aprender. Parei para me reciclar e voltei com todo o gás."
Polêmica
O ecletismo de Sandra deixa marcas também na vida pessoal. Ela já usou vários tipos de roupa e cabelo, como o estilo "black power". Agora adotou um visual clubber, com cabelos oxigenados e raspados e trancinhas rastafári.
Já foi mais gorda e mais magra. Atualmente está feliz com o peso. Fez plásticas e lipoaspiração.
"Foi um lance legal. Depois da plástica, já engordei, mas a barriga não voltou, ficou beleza." Agora ela faz esteira, abdominais, bicicleta e alongamento. "Com 40.1 a gente tem que cuidar da saúde", diz Sandra, referindo-se a seus 41 anos.
Recentemente, Sandra se envolveu em uma polêmica com a revista "Sui Generis", que publicou uma entrevista na qual Sandra teria declarado sua homossexualidade.
Sandra nega, e a Warner, sua gravadora, rompeu com a revista, que mantém sua posição. "Agora vou às entrevistas com gravador", disse a cantora, que "se esqueceu" do equipamento durante a entrevista à Revista.
Sobre homossexualidade, Sandra diz que "esse papo não tem nada a ver". "Atualmente, estou casada com a minha carreira", desconversa.

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