São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Quiz show

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

No mês passado, o canal HBO estreou um dos mais interessantes filmes sobre os bastidores da televisão: "Quiz Show", de Robert Redford. Trata-se da história de Charles van Doren, um meio-intelectual americano, filho de um intelectual por inteiro, que se submeteu a um programa do tipo perguntas e respostas e acabou criando um escândalo quando foi descoberto que o programa, "21", era uma fraude.
O mesmo aconteceu com a atriz Patty Duke, a adolescente que ganhou um Oscar por "O Milagre de Anne Sullivan" e que, quando criança, também se meteu em encrencas por causa do programa "64.000 Dollars".
No Brasil, esses escândalos nunca chegaram a afetar os programas do gênero. E houve muitos.
"O Céu é o Limite", apresentado por Aurélio Campos e também por J. Silvestre, ficou séculos no ar.
Uma coisa não me sai da cabeça: um dos competidores era um presidiário que, obviamente, respondia as perguntas de trás das grades. Bem Carandiru.
Quando o nome se tornou muito "anos 50", a Globo o mudou para "8 ou 800", colocou Silvia Bandeira (então Falkenburg) com um canudo na mão e Clodovil respondendo sobre "dona Beja" -tudo isso para ver se retomavam o prestígio do velho programa.
Mas a Globo nunca foi boa em lidar com um público chegado em cultura. O programa foi substituído pelo mais popular "Os Trapalhões".
A TV Cultura saiu-se com "Quem Sabe, Sabe", apresentado por Randal Juliano, e se deu bem.
Destinado ao público do pré-vestibular para cima, fazia perguntas sobre conhecimentos gerais que fariam os criadores do jogo Master corar de vergonha.
A TV Record agradava o público adulto com "Essa Noite se Improvisa", onde pessoas como Elis Regina e outras pratas (ouros) da casa divertiam a platéia se divertindo com pequenas dicas sobre músicas de sucesso.
Silvio Santos tentou repetir a fórmula, mas o charme do programa -ao contrário do que Silvio pensava- não estava em coisas como as danças "da garrafa" ou "da bundinha", e muito menos no inesquecivelmente patético Pablo (que por falta de direção adequada ou técnicos bem preparados não esperava a câmera subir: ele mesmo se abaixava).
Nem de longe o cantor Nahim tentando adivinhar qual era a música com uma só nota poderia ser comparado a um improviso de Chico Buarque, por exemplo. Assim, a idéia do programa morreu.
Hoje em dia, você pode assistir no "Eurochannel", um programa inglês chamado "Carnal Knowledge" e se divertir com as inconvenientes perguntas sobre sexo feitas pelos apresentadores, em forma de gincana, para casais mais ou menos bizarros.
Mas, nos anos 60, esse programa já existia aqui, quando Paulo Planet Buarque, bem menos indiscreto, fazia perguntas para casais da moda, no "Alianças para o Sucesso". Num desses programas, Jô Soares acabou substituindo o apresentador oficial, dando uma palha do que ele viria a fazer tão bem do final dos anos 80 em diante: entrevistar.
"Quiz Show" nos deixa a pulga loucamente alvoroçada atrás da orelha. Será que os nossos programas também eram combinados? Nunca saberemos. Mas, como se comenta no filme, ninguém queria saber o que os participantes tinham de culto: queriam ver eles sofrendo, tentando desesperadamente lembrar de algo perdido em alguma página de enciclopédia gravada no fundo de suas cabeças. O público queria vê-los perder. O céu, para o público, nem sempre é o limite.

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