São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Record investe no 'merchandising da fé'

DANIEL CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Vinte anos depois de "O Espantalho" -sua última telenovela-, a Rede Record está voltando a investir em teledramaturgia. Estréia dia 3 de março "A Filha do Demônio", a primeira de um pacote de minisséries que combinam "estética mexicana" com "merchandising da fé".
São essas características -assinaladas pelo diretor Attilio Riccó, 55- que definem as primeiras produções de "Contos do Dia-a-Dia", como vão chamar as sessões diárias de 45 minutos, no ar a partir das 20h30.
Com interpretações carregadas, a "trash" "A Filha do Demônio" conta em cinco capítulos a história de um homem, Mário (Luiz Carlos de Moraes), que, em troca de mulheres e dinheiro, vende a filha Ana (Patrícia de Sabrit) ao diabo (João Vitti).
Entregue ao demônio, Ana cresce em um ambiente de perdição. Ainda bebê, ela já apronta suas maldades. Na adolescência, se entrega ao vício das drogas e se prostitui. Acidentes estranhos acontecem com seus amigos.
Até que um dia tudo muda na vida dela. Aos 20 anos, levada por uma vizinha a uma igreja (não fica explícito que é a Universal do Reino de Deus, "dona" da Record), ela conhece Jesus e se salva do diabo, o exorcizando.
O "merchandising" de Cristo não fica só na moral da história. O diabo incorpora comportamentos considerados desvios da fé cristã, como a homossexualidade e a crença nos orixás.
O "demo" se apresenta andrógino e tem sua corte composta por duas drag queens (homens que se vestem de mulheres, mas que não se prostituem), dois go-go boys (rapazes musculosos que dançam apenas de sunga em boates gays) e uma pomba-gira (entidade de cultos afro-brasileiros). O inferno é uma boate gay de São Paulo.
"A recomendação da empresa é restituir os valores morais na teledramaturgia, com texto forte, sem apelações para a nudez. Nosso compromisso é resgatar a fé, sem falar na Igreja Universal, mas falando de Cristo", diz Riccó, que comanda as minisséries.
"As minisséries sempre têm personagens que vivem transformações. A empresa exige uma moral positiva. Não é doutrinação, mas filosofia", completa Eduardo Lafon, diretor de programação da Record.
Lafon, no entanto, pondera que essa "filosofia" será muito discreta. "Se fossem exibidas em outras emissoras, ninguém ligaria as minisséries à igreja."
Próximos capítulos
Depois de "A Filha do Demônio", cujas gravações já foram concluídas, a Record deve exibir "Recomeçar", também com cinco capítulos.
"É a história de uma mulher pobre que se casa com um homem muito rico, mas que a maltrata. Ela o mata e só não convence a sogra de que é inocente. Vai presa e, então, passa por uma transformação", adianta Riccó, que diz que as minisséries são baseadas em depoimentos, muitos deles de fiéis da Universal.
A terceira produção será "Olho da Terra", com 15 capítulos. Disfarçada de saga rural, a minissérie, que se chamaria "Quebranto" (mau-olhado), ataca o candomblé e a umbanda.
"Uma mulher, para se vingar do marido, manda matar a amante dele. Depois, se envolve com 'trabalhos de esquerda' e fica obcecada, quer matar a filha da amante também. A filha da amante acaba atingida pelos 'trabalhos' e se apaixona pelo filho do amante de sua mãe. No final, eles descobrem que não são irmãos e a mulher acaba morrendo num pântano", conta o teatrólogo Ronaldo Ciambroni, 48, que admite a mexicanização de seus textos -para falar "a linguagem do povo".
"Por Direito", com 22 capítulos, será a quarta minissérie. A partir dela, segundo Lafon, todas as produções deverão ter 22 capítulos, espécie de "mininovelas".
Segundo Ciambroni, "Por Direito" trata da disputa de poder entre irmãos. Eis o roteiro:
Um italiano rico morre e deixa a herança para dois filhos que não se entendem. Um deles, homossexual, havia abandonado a família. O outro, conservador, se casa, mas não é fértil.
O homossexual é convocado a ceder seu esperma para a mulher do irmão. A criança nasce excepcional e é rejeitada pelo pai (o conservador), que a troca na maternidade. No futuro, as duas crianças irão disputar a fortuna -a excepcional acabará provando seu "direito".

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